O curioso caso dos mortos que andam
Era sábado. Eu tinha acabado de pegar uma lata de cerveja e abri-la, quando Isabella me perguntou:
– Tem algum programa para hoje?
Eu estava de folga da agência de investigação naquele dia, o que era meio que um milagre.
– Estava pensando em assistir à reprise da final da Champions que eu perdi.
– O que acha de dar uma passeada por Sorocaba?
Sorocaba era o lugar para onde Isabella se mudara depois do caso do Anatomista. Ela tinha voltado para São Paulo alguns anos depois, mas, ocasionalmente, ainda tinha algo a fazer naquela cidade. Devo admitir que era uma cidade agradável, embora fosse talvez quente demais para o meu gosto.
– Tem algum programa para lá?
– Estou pensando em ver uns mortos que continuam andando, apesar de mortos.
– Como é?
– É exatamente isso que acabei de falar.
Suspirei.
– Você poderia ter falado isso antes de eu abrir a cerveja, né?
– Pode tomar a sua cerveja, que eu dirijo, vai.
– Melhor não. Se os mortos realmente estiverem andando, depois eu vou dizer que foi culpa do álcool.
No caminho, Isabella me explicou o que era exatamente.
– Nelson, um dos patologistas da faculdade, me pediu ajuda com esse caso. Ele me disse que é o segundo corpo de cadáver que ele pega se mexendo, mesmo estando mais morto que o gato do Schrödinger.
Ela me mostrou um vídeo de um cadáver sobre uma mesa de autópsia, cujas pernas se moviam mecanicamente, como se ele estivesse querendo andar.
– Talvez o gato não estivesse tão morto assim quando abriram a caixa… – comentei.
– Está muito além do que as contraturas que vemos normalmente após a morte. É um movimento coordenado de marcha – ela disse. – E ele não faz ideia do que pode ser isso.
– O caso chegou hoje?
– Sim, hoje de manhã. Ele não sabia mais a quem pedir ajuda, os outros patologistas estão tão confusos quanto ele.
– E você, o que acha que é? Algo sobrenatural?
– Não seja bobo, André. Já provamos por A mais B mais todo o alfabeto que o sobrenatural não existe. Preciso lembrar do caso do filme de terror?
– Eu sei, eu sei. Mas, que outra explicação pode ter?
– Eu tenho uma, mas… Talvez seja louca demais para ser verdade.
– Gostaria de compartilhar? – perguntei, desviando de um carro na estrada.
– Na verdade, não.
– Você sabe que, quando você faz isso, eu nunca tenho como saber se você estava certa ou errada.
Ela deu de ombros.
– Vai ter de confiar em mim.
Sorocaba é uma cidade relativamente grande, perto o suficiente de São Paulo para chegarmos em uma hora. Fomos diretamente para o Salão de Autópsias da faculdade, onde o professor Nelson já nos aguardava.
– Ah, Isa! Minha aluna mais brilhante!
– Pare com isso, professor…
– E o marido!
Eu o cumprimentei; Nelson era um homem muito simpático e, aparentemente, estava na faculdade havia muitos anos, se já havia sido professor da Isabella.
– Muito bem, Isa. Estamos aqui coçando nossas cabeças carecas, eu, Orlando e a Mona, se bem que a Mona não está careca ainda…
– Nem vou ficar – disse uma professora, sentada em uma cadeira.
Eu a cumprimentei de surpresa; não tinha percebido que estava ali, escondida nas sombras.
– Bem, Isa, o corpo já parou de se mexer. Mas, vou dizer, isso é uma coisa que nunca vi em todos os meus anos de patologista…
Isabella se aproximou do corpo de um homem de aparentemente 70 anos. Estava pálido, emagrecido, mas ainda assim se podia ver que era um homem gordo. Os cortes da autópsia que havia sido realizada já estavam ali, inclusive, com a sutura menos cuidadosa que geralmente faziam para fechar o corpo.
– Do que ele morreu?
– Tromboembolismo pulmonar – disse Nelson, cruzando os braços. – Não tem mais nenhuma informação relevante.
Isabella olhou atentamente para os membros inferior do homem, que, naquele momento, estavam parados. Eu mesmo não conseguia ver nada de relevante, exceto por algumas cicatrizes.
– Como estava o fígado? – ela perguntou.
– Esteatose, talvez um início de cirrose, já. Mas a esposa não fala que ele bebia…
– Não, ele provavelmente usava anti-inflamatórios demais. Veja o padrão de distribuição de gordura, a pele, as veias… E essas cicatrizes nos joelhos?
– Tem cara de prótese – disse Mona, a outra patologista.
– Sim, mas a esposa negou qualquer procedimento, também.
– Bem, alguém estava mentindo, aqui.
Isabella tentou mover os joelhos, mas eles estavam totalmente travados.
– Acho que está na hora de fazermos uma radiografia.
Enquanto o técnico levava o cadáver para fazer o exame, fomos tomar um café em uma padaria próxima, e os quatro conversaram animadamente sobre a faculdade e as mudanças recentes. Depois de um tempo, afinal, o técnico avisou que os exames estavam prontos, e eles observaram atentamente uma chapa em preto e branco, da qual eu não entendia muita coisa.
– Aí está – disse Isabella.
– Tudo bem, mas isso ainda não explica – comentou Nelson.
– Não é um tipo comum – ela falou.
– Mesmo assim…
– Do que estão falando? – perguntei. Para mim, parecia mais uma arte abstrata.
Tudo bem, estou exagerando. Eu conseguia perceber o que era o fêmur e o que era a tíbia, mas não conseguia entender a forma que estava entre as duas.
– Precisamos abrir, professor – disse Isabella.
– Vamos resolver esse mistério.
Com os devidos equipamentos, os dois entraram em campo e começaram a dissecar o joelho do homem; o que eu vi me pegou de surpresa. Esperaria por qualquer coisa, menos aquilo.
– Vamos ver o outro lado.
O outro joelho estava exatamente igual; Isabella pediu que eu filmasse e tirasse fotos, como era o seu costume com os casos interessantes.
– Professor… Você se importa se eu levar um desses comigo? Para investigar melhor?
– Bem, até onde sei, a esposa nem sabia que isso estava ali, então… Acho que não vai fazer falta.
Com cuidado, Isabella foi cortando alguns pedaços de músculo, partiu os ossos com um martelo e formão e, por fim, retirou uma geringonça que eu não saberia como descrever. Era como uma peça de carro: um pedaço de aço, como um cilindro, com dois pinos enormes que estavam inseridos profundamente nos ossos. Do cilindro saíam diversos cabos de aço, presos a alavancas e pequenos pistões em uma extremidade, enquanto a outra se enganchava em tendões e músculos diversos.
– Você se lembra do Casa? – ela perguntou.
– O Casão? Ah, se me lembro. É o supervisor de ortopedia, aqui, agora.
– Acho que vou pedir ajuda dele.
Ela embalou a peça em um ziplock, e, depois de nos despedirmos, nós seguimos pela cidade de volta para São Paulo, enquanto Isabella fazia uma ligação.
– Ele vai nos encontrar na casa dele – ela falou.
– Onde fica? – perguntei, pegando o celular para colocar no Google.
– Granja Viana – ela falou, engolindo em seco.
Aquele não era um lugar de boas recordações de Isabella; muitas coisas ruins haviam se passado lá, anos atrás e, embora tudo já estivesse enterrado, certamente não estava esquecido. Nem para ela, nem para mim.
Apesar disso, fomos e, em pouco tempo, estávamos na casa deste antigo colega de turma dela. O local aonde fomos, devo dizer, era muito mais animador do que aquele pelo qual havíamos passado anteriormente: um condomínio cheio de árvores, repleto de sol, carros importados, barcos atrelados a carretas, muitas crianças andando de bicicleta, para as quais olhei com uma mistura de desejo e culpa, uma vez que Isabella não tinha o menor interesse em ter filhos.
– Olá, olá! Isa, quem diria! Há quantos anos! – disse o tal Casa, quando abriu a porta da sua casa. – Vamos, entrem, entrem. Perdoem a bagunça, mas, sabe como é, crianças…
O médico era alto, estava ficando calvo e ostentava a barriga de quem não passava qualquer necessidade. Fomos para o seu escritório, onde poderíamos ter uma relativa tranquilidade.
– Desculpe por incomodar no fim de semana, Casa, mas…
– Imagine, imagine, Isa!
– Esse cara – disse Isabella, olhando para mim – foi o cara mais inteligente da minha turma. Talvez, da faculdade inteira!
– Só se for depois de você, Isa! E mais uns trinta outros. Pelo amor de Deus, vá!
– Você de repente já viu algo parecido com isso? – ela perguntou, tirando o ziplock da bolsa.
Ele assobiou, olhando para o objeto.
– Olha, eu sei que todo mundo acha que ortopedista é meio mecânico, mas eu não sei consertar carros.
– Isso aqui veio do joelho de uma pessoa.
– Opa, agora começou a ficar interessante. Era um transformer?
Essas e outras piadas me faziam repensar o grande conceito que Isabella tinha daquele homem, mas enfim…
Ela lhe mostrou os vídeos e fotos da autópsia.
– Isso é impressionante – ele falou. – É um pequeno motor, com um grande torque. Ele prendeu… Veja só! Conseguiu prender no tríceps sural, no tibial anterior, no quadríceps… Bíceps… Este cabo aqui, acho que está substituindo o iliopsoas…
– O que acha?
– Bem, seja lá quem for que fez isso… Construiu uma máquina capaz de andar pelo paciente – ele falou, por fim. – Ela consegue fletir e estender o quadril, os joelhos e o tornozelo. Eu não sei se ela responde a algum comando, ou à própria contração muscular, ou se ela tem algum tipo de software interno que faz com que se movimente automaticamente, mas… Isso explica os mortos que andam. Ela continuou a se mover, mesmo após a morte do paciente. Talvez seja um software, de fato.
– Já ouviu falar de algo do tipo? – questionei.
– Jamais. Nunca, nada nem um pouco parecido com isso. É extremamente avançado. Coisa do Tony Stark. Quem fez isso é, definitivamente, um gênio.
– Certamente, não foi aprovado pela Anvisa.
– Olha… Eu apostaria que não. Quer dizer… Um negócio desses, e ninguém nunca viu por aí? Não está à venda por milhões?
– Você conhece alguém que consiga avaliar melhor esse mecanismo?
– Eu conheço um cara em Itajubá. Engenheiro. Deixe comigo, vou dar um jeito de ele ver essa peça aqui.
Ele ficou pensativo por alguns instantes e, depois, olhou para mim.
– Não sei se é da sua seara, investigador, mas acho que me cabe falar que… Experimentação deste tipo com humanos… Precisaria ter passado por muitos estágios antes de ser aprovada. Testes em animais etc. Eu acho que se trata de algo por baixo dos panos. A não ser que estejamos falando de um projeto supersecreto e esteja realmente tudo aprovado. Mas aí… Acho que alguém teria tentado reaver esse corpo, não? Ele nem teria chegado ao necrotério.
Pouco depois desta frase, as crianças invadiram o escritório, e nós decidimos sair para não atrapalhar mais o seu fim de semana. Voltamos para casa pensativos: o que, afinal, queria dizer tudo aquilo? Quem era o maluco que estava experimentando próteses robóticas em seres humanos?
Aquilo me deixou com a pulga atrás da orelha, mas eu já estava com trabalho o suficiente na minha agência para poder ficar pegando casos pro bono – e, na verdade, para os quais sequer havia sido solicitado. Afinal, a família não parecia nem um pouco preocupada com os fatos e, se não fosse por outros acontecimentos que ocorreram ao longo da semana, tudo não passaria de mais uma anedota para eu contar no café ou a quem estivesse de tocaia comigo no nosso próximo caso de infidelidade.
Primeiro, na quarta-feira seguinte, o tal homem de Itajubá mandou uma resposta por e-mail sobre o mecanismo, que Isabella veio me mostrar, empolgada.
– É um pequeno motor – disse ela. – Extremamente complexo. Tem uma bateria interna que carrega por indução e aproveita o torque do próprio corpo para pode auxiliar nos movimentos. Tem um software que organiza os movimentos para a passada e suaviza as contrações e transições musculares. É um substituto articular automatizado.
– O que isso quer dizer?
– Quer dizer, André, que estamos diante do primeiro protótipo de um ciborgue.
– Como é?
– Eu ainda estou estabelecendo alguns detalhes, mas… Pense. Se isso funcionar… Se isso aumentar a potência muscular… Até onde podemos chegar?
O peso daquelas palavras afundou em mim; por que com a Isabella a gente nunca podia ter um caso simples? Como a boa e velha máfia das próteses que ela havia desmascarado mais de dez anos atrás?
Mas, este ainda não foi o principal acontecimento da semana. No dia seguinte, quinta-feira, ela recebeu uma ligação do professor Nelson.
– Nosso ciborgue foi assaltado ontem – disse ela.
– Isa, como um homem morto e enterrado pode ter sido assaltado?
– Pois é, parece que nem na morte estamos livres de ladrões.
Nelson tinha ligado para contar que, durante a madrugada de quarta para quinta-feira, a cova do nosso homem havia sido profanada. O zelador viu o movimento de dois homens encapuzados pela câmera e conseguiu pegá-los no flagra, exumando o corpo do homem.
Só que, em vez de procurar os costumeiros dentes de ouro ou joias que eram enterradas com os entes queridos, os ladrões estavam procurando algo muito específico.
– Pegaram a prótese, André. O zelador conseguiu assustá-los, mas eles levaram uma delas.
Foi a vez de eu engolir em seco.
– Eles sabiam exatamente o que queriam – eu disse.
– Sim. Eles não tiveram tempo de abrir o outro joelho, que estava intacto. Mas, quem pegou a primeira, com certeza quer a outra, que não está onde deveria estar.
Eu suspirei.
– Acho que está na hora de ter uma conversa com a esposa desse homem.
Encontramos a dona Maria Madalena no sábado, no sítio dela em Araçoiaba, uma cidade muito próxima a Sorocaba. Estava ainda muito triste e não foi sem dificuldade que nos serviu café e bolo, apesar da nossa recusa.
– Eu sou investigador particular, dona Maria – falei. – Trabalhei por muitos anos no DHPP em São Paulo.
– Mas, eu não entendo, eu não pedi nenhum investigador…
– Fique tranquila – eu disse. – Estamos apenas ajudando os patologistas que fizeram a autópsia do seu Jorge. E, no caso, tentando descobrir quem exatamente mexeu no túmulo do seu marido.
– Mas eu não tenho como pagar – ela disse. – O enterro e…
– Não se preocupe com isso, minha querida – falou Isabella, com todo o seu tato. – Isso aqui é tudo por nossa conta.
– Me diga, dona Maria… O seu Jorge tinha algum problema de joelhos?
– Ah, sim – ela falou, tomando seu café que era 90% açúcar, 3% café e 7% qualquer outro grão ou cereal, o que, se quer saber, era parecido demais com o da delegacia e me trouxe até uma sensação de nostalgia. – Vivia com dor e se entupia de remédios.
– E alguma vez ele fez algum procedimento no joelho?
– Ah, acho que ele fez uma… Ahm… Como é o nome daquilo? Que injeta uns negócio?
– Infiltração – disse Isabella.
– Isso! Fez umas. No começo ajudou, mas, depois, não funcionou mais.
– E quando ele faleceu… Ele estava tomando alguma coisa?
– Não, não mais – ela falou, juntando as mãos e olhando para cima. – Foi como um milagre! Faz uns quatro, cinco mês que ele não tinha dor nenhuma.
– Dor nenhuma? – perguntei. – Como foi isso?
– Foi um milagre, mesmo. Ele… Bom, o Jorge não me disse direito como foi, mas… Há uns mês atrás, ele foi prum retiro. Ficou mais de mês lá. Um programa de oração, jejum, essas coisa… Isolamento total. E quando ele voltou… Parecia um homem novo! Andando bem, sem dor nenhuma nos joelho, nada!
Isabella e eu nos entreolhamos.
– Esse programa… A senhora sabe alguma coisa?
– Não sei direito. É uma coisa da igreja.
– Pode me dizer qual igreja é? – perguntei, puxando meu caderno para tomar notas.
Quando saímos da casa dela, ficamos ainda alguns minutos no carro, pensativos.
– Está pensando o mesmo que eu? – questionei.
– Um médico que está testando suas invenções em pessoas vulneráveis – ela falou. – É, André, já lidamos com anatomistas, artistas, Frankenstein… Mas este é o primeiro Rudy Wells que temos.
– Quem?
– O inventor que criou “O Homem de Seis Milhões de Dólares”.
– Seis milhões parece pouco para isso aqui.
– Na época da série, era muito. Enfim. De alguma forma, esse médico entra em contato com as pessoas na igreja. O retiro de um mês… É tempo suficiente para fazer os procedimentos e eles se recuperarem o suficiente para voltarem para casa como se nada tivesse acontecido.
– Mas, por que não dizer que foram operados?
– Duas alternativas. Ou o pastor está se beneficiando dos milagres… Ou tudo isso realmente é ilegal. Ou ambos.
– Você acha que ele pagou alguma coisa?
– Não sei. Eles não me parecem ter muito dinheiro. Não, a questão eu acho que não é dinheiro aqui, André… Eu acho que ele só… Está com pressa. Não quer seguir o processo usual.
– Mas uma invenção dessas, Isa… Ele pode mudar o mundo!
– Sim. Se os pacientes sobreviverem. Mas, como você pode ver, Jorge morreu de trombose alguns meses depois.
– Você acha que é por culpa do procedimento?
– A chance é grande. Por isso que fazemos estudos a respeito disso.
Eu liguei o carro e comecei a andar; já estávamos a uma razoável distância da casa da dona Maria Madalena, quando perguntei:
– Isa, e se esse não foi o primeiro?
– Certamente que não foi, André. Nelson já falou de outro morto que andava. Precisamos pegar esse cara.
– A questão é… Como vamos achar o cirurgião, se os únicos que sabem quem ele é estão mortos?
Ficamos em silêncio por uns instantes.
– Seria melhor se os mortos falassem, em vez de andassem – comentei.
Mais uma semana, e era oficial: eu tinha aberto espaço na agenda da agência para abraçar um caso pro bono. Meus colegas odiavam quando eu fazia isso, mas, bem, eles não tinham escolha. E, de vez em quando, devo dizer, uma publicidade bem-feita ajudava.
– O caso dos mortos que andam – eu falei, escrevendo no quadro branco da agência.
Nesta época, tanto Jonas quanto Daniel já haviam vindo para a agência. Roberto permanecia na corporação, com a clara intenção de se aposentar com salário integral. Bem, eu não podia culpá-lo, e ele estava mais próximo disso do que eu (não que qualquer um de nós estivesse verdadeiramente próximo da aposentadoria, mas enfim).
Eu expliquei exatamente o que estava acontecendo.
– Como encontrar um homem que ninguém sabe quem é?
– Tenho duas ideias – disse Jonas. – Mas o Dani aqui não vai gostar de uma delas. Bem, talvez nem da outra.
Jonas é um ex-policial, meu colega de equipe. Franzino, ruivo, tem a cara do Uriah Heep, ou, ao menos, como eu sempre o imaginei. É excelente com tecnologia, o que é um eufemismo para dizer que é um grande hacker. Normalmente, ele tem uns comentários esdrúxulos, mas, de vez em quando, sai uma pérola da sua boca. Além disso, ele é extremamente confiável e leal.
Dani, por outro lado, é também um colega que deixara a corporação havia alguns meses. Muito religioso, eu conseguia ver que ele não estava muito feliz em saber que uma igreja estava servindo de fachada para experimentos médicos. Por outro lado, religião era uma coisa, igreja era outra.
– A primeira opção é fingir ser um idoso, ir à igreja do seu Jorge e tentar ser abordado pelo dr. Ciborgue – disse Jonas.
– Nenhum de vocês dois parece velho o suficiente para isso – eu falei.
– Não me agrada muito a ideia de ir à casa de Deus fingindo ser o que não sou – comentou Dani.
– Como disse, achei que você não fosse gostar das ideias.
– Tá bom, e qual é a outra? – questionei.
– Bem, sabemos que este não é o primeiro caso. No mínimo, porque o patologista lá disse que já tinha pegado outro caso de mortos que andam, não é?
– Sim.
– E sabemos que o nosso médico quer recuperar os seus mecanismos, sabe Deus por quê.
– Medo de que roubem a tecnologia? – tentou Daniel.
– Isso, ou quer reutilizar – falei.
– Aliás, ele não foi atrás da peça faltante, não?
– Ele imagina que ainda está no joelho do paciente – eu disse. – A polícia está vigiando o cemitério todas as noites, agora. Estão de tocaia, mas ninguém tentou se aproximar, ainda.
– Ele certamente não é burro – falou Daniel. – Não vai tentar isso agora.
– Sua sugestão é que esperemos que ele tente novamente?
– Isso pode demorar muito – falou Jonas. – E, além disso, ele deve ter contratado alguém para fazer o serviço sujo. É o que eu faria. Se a pessoa nem souber quem ele é, nunca vamos identificar. Não, não. Minha ideia é pensar no passado: ele já fez isso antes. Ou seja…
– Vamos levantar profanações de corpos em cemitérios da cidade.
– Não só daqui – falou Daniel. – Ele pode estar agindo em vários lugares e levando as pessoas para o seu retiro espiritual.
– Descobrimos quem foi profanado e falamos com as famílias. Alguma delas tem de saber algo sobre o nosso médico! – falei. – Jonas, de vez em quando, você brilha muito.
– Eu brilho tanto que eu ofusco o resto dessa equipe, chefe. Só que eu me controlo para não ficar chato.
Ah, e o Jonas é bem modesto, também.
Para a nossa sorte, profanações de túmulos não era algo tão comum assim, ou, ao menos, não tão comum quanto antigamente, agora que ninguém mais faz obturação de ouro nos dentes. Nosso levantamento de diversos cemitérios nos trouxe apenas cinco casos, todos ao redor da cidade de Sorocaba. Em todos eles, o corpo havia sido exumado e, segundo a descrição, tivera os ossos do joelho destruídos, o que certamente indicava que o médico estava atrás das suas invenções.
Eu não conseguiria ir, pois tinha uma vigilância para fazer, e o único que estava de folga naquele dia era o Jonas. Eu o troquei por Daniel, que geralmente era melhor para lidar com famílias enlutadas nestes casos mais complexos. Jonas não ficou feliz, então, eu tive de prometer uma folga dobrada.
– Mestre – disse Daniel, batendo à minha porta no final de domingo. Ele sabia que eu não me importava nem um pouco de trazer trabalho para casa, embora a Isabella não ficasse tão feliz assim. – Consegui falar com as cinco famílias.
– E o que conseguiu?
– Não muita coisa. Ninguém sabe o nome do médico. Todo mundo acha que foi um milagre, após um retiro espiritual, e todos foram ao mesmo retiro, mas em épocas diferentes. Todos morreram um pouco depois, ou de uma infecção grave, ou de embolia, mas estavam miraculosamente bem e andando maravilhosamente até então.
– Descobriu onde é o retiro?
– Não tenho informações concretas. Algum sítio, algum lugar no meio do nada. Parece que a igreja faz isso a cada dois meses, mais ou menos.
– Não temos escolha. Precisamos nos infiltrar.
– Ele sempre aborda pessoas em igrejas desta vertente – ele disse, me dando um papel com dados escritos. – Foram essas, nesses endereços.
Eu me recostei na cadeira, respirando fundo e lendo o papel que Daniel me entregara.
– As vítimas – ele prosseguiu. – Sempre a mesma coisa. Homens na terceira idade, com artrose grave dos joelhos, ou ao menos, assim me parece.
Permanecemos quietos por alguns instantes.
– Se você quer se infiltrar, mestre, vai precisar de outra pessoa que não eu ou o Jonas.
– Eu tenho a pessoa perfeita em mente.
Silva é o nome dele. Um policial aposentado, com o qual eu travara contato uns anos antes, enquanto ajudava Diana Fogaça, a advogada famosa, em um caso. Silva era um cara inteligente, um policial que soubera levar a sua carreira adequadamente, apesar de ter perdido mais colegas do que gostaria durante seus dias de ação. Sempre pronto, não iria recusar um serviço, mesmo que significasse não receber, especialmente porque a aposentadoria o estava deixando louco.
– Você está sugerindo que eu deixe minha pescaria aqui em Mairiporã para ir para umas igrejas de Sorocaba e fingir que tenho artrose do joelho?
– E desmascarar um Rudy Wells no processo – eu falei, usando a referência de Isabella.
– Boa! E sem ganhar absolutamente nada?
– Vai ter meu eterno respeito e agradecimento.
– Não preciso disso, obrigado.
– A certeza de ter deixado o mundo um pouco melhor?
– Já estou velho para isso.
– A oportunidade de entrar em ação, em vez de ficar pegando tilápias de 200 gramas?
– Agora você tá de sacanagem, outro dia peguei um dourado de… Ah, tá bom, vai. Me passa os endereços. Vou ver o que consigo fazer por você.
Eu ditei as igrejas alvo.
– Você não vai querer que eu aprenda a rezar o terço agora, né?
– Não são católicas, Silva. São protestantes.
– Ave Maria.
Para a minha surpresa, Silva não demorou mais que quatro dias.
– Seu médico está ansioso, Dias – ele falou pelo telefone. – Já fui convocado para o seu próximo retiro.
– Como é? Sério, mesmo?
– Sim. Não precisei de muito. Entrei na igreja mancando, usando bengala. Tentei deixar minha perna mais torta do que já é. O pastor veio falar comigo depois do culto, disse que não me reconhecia de lá, perguntou de onde eu era. Conversa vai, conversa vem, falei que a artrose estava me matando e que estava procurando ajuda de todo e qualquer lugar. Qualquer um que me curasse. E pronto! Dois dias depois, ele falou que tinha falado com um amigo que organizava esse retiro. Não me explicou muito, mas disse que lá eles conseguiriam curar minhas pernas.
– O médico não falou diretamente com você, Silva?
– Não. Acho que ele deve falar lá.
– Então… As pessoas são operadas contra a própria vontade?
– Não sei. Só vou descobrir quando for até lá. A van parte em duas semanas.
Neste ponto, as coisas tinham ultrapassado o que eu tinha liberdade de fazer, sendo um investigador particular. Eu precisava compartilhar com a polícia os achados da minha investigação. Assim, entrei em contato com o Roberto, que continuava trabalhando no DHPP.
– Então, você tem um médico que está criando ciborgues em uma fazenda abandonada no meio do nada?
– Eu não tenho a localização exata. Vou ter de seguir o Silva. Mas, em resumo, sim, é isso.
– Não vai ser fácil convencer a chefia…
– Não preciso de muito. Uma equipe de apoio. Não acho que sejam perigosos, mas estou preocupado de o médico fugir.
– Vou tentar, Dias, mas não prometo nada. Está longe de ser uma prioridade aqui… Já pensou em denunciar para o CRM?
– Eu nem sei quem o cara é!
Frequentemente, a morosidade do sistema me irritava; esse talvez fosse o principal motivo para eu ter abandonado a corporação.
– Eu te posiciono.
Duas semanas depois, na sexta-feira, Silva estava de mala pronta. Ele frequentara a igreja tão fervorosamente como nunca naquele intervalo, mostrando-se um servo mais do que fiel e disposto a tudo para tratar o seu joelho, conforme ele me contou. Na sexta-feira, estava reunido com outros quatro homens, todos mais ou menos da sua idade, usando andadores, bengalas ou muletas. Foram ajudados a entrar em uma van, na qual havia apenas um motorista, e, de lá, seguiram.
Daniel, Jonas e eu fomos atrás.
Estávamos na Raposo Tavares, quando Roberto me mandou uma mensagem, pedindo que eu compartilhasse a localização. Ele tinha conseguido um reforço para nós, com uma dupla de agentes. Já era melhor do que nada.
Seguir a van na rodovia não foi difícil, mas, quando ela entrou pelos caminhos de terra no meio do nada, tivemos de manter uma grande distância para não suspeitarem. Silva estava compartilhando a sua localização com o celular, mas ela era instável; em dado momento, a van desapareceu na escuridão, e o ponto de localização de Silva não se movimentava mais. Estávamos no meio de um cafezal, sem qualquer sinal de telefonia.
– Tem que usar isso aqui, chefe – disse Jonas, abrindo outro aparelho na palma da mão. – Localizador com GPS de verdade. Nada dessa porcaria que depende de internet.
– Mas, como…?
– O Silva tem um desses na mochila dele. Segurança, caso confiscassem o celular. Gostei dele.
Jonas foi indicando o caminho e, meia hora após, com as luzes apagadas, paramos diante de uma fazenda. Jonas mandou a localização conforme as coordenadas do GPS por meio de um telefone por satélite para Roberto.
– De onde você tira esse equipamento todo?
– Que foi? Eu gosto de escalar montanhas no meu tempo livre. Não vou me meter no meio do nada sem isso. Vai que eu fico preso e preciso amputar minha própria mão para sair?
– Sério, de onde você tira essas coisas, Jonas? – questionou Daniel.
– Vida real, cara. Vida real. Bem mais cruel do que parece na sua igreja.
Ele balançou a cabeça; eu olhei para o meu celular.
– Estamos sem sinal nenhum. Já são nove horas da noite; eles não devem fazer nada, hoje. Na verdade, corremos o risco de o médico sequer aparecer hoje.
– Se ele está fazendo por baixo dos panos, vai fazer no fim de semana, mestre – disse Daniel. – Além do mais, quanto mais rápido, melhor.
– Não podemos entrar sem um mandado – eu falei.
– O mandado está chegando. Além disso, chefe, da forma como eu vejo… Somos simples pessoas perdidas no meio do nada, sem sinal de telefone, que encontraram uma fazenda com luzes.
Avançamos com o carro pela estrada e o estacionamos duas centenas de metros à frente. Descemos e estávamos nos aproximando da cerca, quando ouvimos o barulho de um carro: uma Mercedes g63 cruzou os portões e seguiu fazenda adentro.
– Estava procurando o doutor, mestre? Aí está ele.
– Com um carro desses, não precisava estar ganhando a vida operando na clandestinidade – opinou Jonas. – Ou talvez esteja com um carro desses justamente por operar na clandestinidade, vai saber.
– Vamos dar uma dianteira para o carro e depois vamos entrar – falei.
Esperamos o barulho do carro cessar, as portas baterem, e o ruído dos sapos e grilos substituir o silêncio do entorno. Cuidadosamente, erguemos o arame farpado o suficiente para passarmos por baixo da cerca e seguimos adiante, agachados, pela escuridão da fazenda.
À distância, eu podia ver um grande galpão, com o interior iluminado, repleto de condensadoras de ar-condicionado.
– Deve ser ali que eles fazem os procedimentos – eu cochichei.
Seguimos adiante e estávamos perto do galpão, quando ouvi o clique de uma arma sendo engatilhada e senti o frio cano de uma espingarda na minha nuca.
– Mãos pra cima. Vocês três. E levantem devagar.
Fomos levados pelo homem com a espingarda e mais quatro capangas até o galpão, dentro do qual havia um verdadeiro centro cirúrgico. Todo o material necessário, todo o isolamento, enfim, tudo o que precisavam para realmente realizar os seus procedimentos.
Separadamente, ainda dentro do galpão, havia um ala para recuperação dos pacientes – provavelmente a recuperação pós-anestésica –, enquanto dentro da construção principal deveriam estar os quartos dos pacientes.
Eles nos colocaram sentados em cadeiras, o homem ainda com a espingarda apontada para nós, e, pouco depois, outro homem cruzou as portas e se posicionou diante de nós.
– Você?! – exclamei, surpreso.
– Vocês se conhecem, é? – perguntou Jonas.
– Investigador André… – o homem disse.
– Bem, parece que sim. Não rola um quid pro quo, não?
Uma encarada fez Jonas silenciar. Ou quase.
– Ok, ok, não falo mais nada.
O homem se aprumou.
– Tem um ponto positivo de você ser um investigador privado, André. Não está aqui em missão oficial. Não está portando arma. Não tem ninguém além de vocês por aqui. O que significa… Que ninguém vai sentir falta.
– Você acha mesmo que ninguém vai tentar me procurar?
– Detetive morto durante tocaia a algum contrabandista ou traficante. Não acho que seja nenhuma surpresa para ninguém – disse o médico, dando de ombros.
Eu fiquei em silêncio por alguns instantes; ele parecia realmente decidido a se livrar de nós. Tentei apelar para a humanidade dentro dele, se é que ainda havia alguma.
– O que você está tentando fazer aqui é… Revolucionário – eu disse. – Agora… Se o que você está fazendo estiver manchado de sangue… De sangue inocente… Vai ter valido a pena?
– Eu tenho investidores muito grandes envolvidos. Não posso pôr tudo a perder por causa de um… Detetive.
– Mas, esses investidores… Eles não preferem o caminho correto, não? Quer dizer, com aprovações e comitês e tudo mais?
– Isso demora demais. E tudo isso pode ser resolvido depois. Eu só preciso que a minha prótese mecânica funcione. E, para isso…
Ele fez um sinal com a cabeça; o homem com a espingarda a ergueu e apontou para mim.
Neste instante, um celular começou a tocar; o dele, que provavelmente estava conectado no Wi-Fi daquele local, enquanto os nossos permaneciam mudos.
– Ah, veja só quem está nos ligando! Mas que conveniente! Vou até colocar no viva-voz. Olá, Isa! Como vai?
– Deixe de cerimônia, Casa. Eu sei que você está com meu marido neste momento.
– Não vai me dizer que você vai me caçar até a minha morte, para vingar a morte do seu marido?
– Não, eu já fiz isso uma vez. Não quero fazer de novo.
Um silêncio constrangedor.
– Seu plano tem uma grave falha, Casa. A outra prótese do seu Jorge. Antes de entregarmos para você, eu passei em um scanner 3D. Serviu perfeitamente para fazermos uma cópia. Temos o projeto completo, com, inclusive, algumas melhorias. É melhor você deixar os três irem embora intactos, ou hoje mesmo este projeto estará disponível para a empresa que quiser. E eu tenho certeza de que os seus financiadores não vão ficar muito felizes em saber que o projeto vazou…
Ele parou, olhando com ódio para o celular.
– Da forma como eu vejo, Isa, matar estes enxeridos aqui não vai fazer diferença alguma.
– Neste momento, só eu tenho o projeto. Mais ninguém. Meu engenheiro me deu a única cópia. A liberdade deles é a garantia de que o projeto ficará intacto.
O médico suspirou.
– E a minha pesquisa?
– Aí já é entre você e a polícia. Aliás, eu recomendaria que saísse daí o mais rápido possível. Eles devem estar próximos. Tchau, tchau.
E ela desligou. Ah, Isa! Sempre genial!
O tempo de os cinco homens trocarem olhares incertos foi o suficiente para a polícia invadir o local, apontando armas. Nós nos jogamos no chão, houve troca de tiros e, no final, com três alvejados, os cinco foram levados algemados. Silva, ouvindo os barulhos, é claro que saiu correndo de onde estava e veio nos ajudar.
– Perdi toda a diversão? – disse, quando chegou, vendo o médico e outro dos capangas com as mãos para cima, e os outros três, dentre eles o homem da espingarda, caídos no chão, com ferimentos não letais.
– Seus joelhos! – exclamei, em tom de brincadeira, apontando para as pernas não mais fingidamente arqueadas dele e a ausência da bengala. – É um milagre!
– Ah, vá, Dias! – ele falou, dando-me tapas nas costas. Depois, assobiou, olhando ao redor no galpão. – Uau. Isso aqui dá primeira página.
– Prefiro evitar os holofotes… – eu falei. E, de fato: publicidade demais fazia mal para a agência, pois todos me reconheceriam nas ruas. Mas isso não impediu que saísse uma grande notícia, não de primeira página, dando os louros à polícia de Piedade.
Quando meu celular voltou a funcionar, eu liguei para Isabella, que parecia muito menos preocupada do que eu imaginava.
– Ah, é claro que eu sabia que ia dar certo meu plano. Por isso que não estava preocupada.
– Mas, Isa! Como você sabia que era ele?
– Ah, André. Isso foi fácil. Bastante óbvio, para falar a verdade. Pouquíssimas pessoas teriam capacidade de criar um dispositivo daqueles. Junte isso ao local de testes e das pessoas afetadas, a igreja escolhida… Tudo apontava para ele.
– Não vai me dizer que você sabia isso desde o começo…
– Não de tudo. Mas tinha uma suspeita grande.
– E como sabia que ele estava sendo financiado?
– Ninguém tem dinheiro suficiente para fazer um negócio desses sozinho. Se não tivesse alguém financiando de forma particular, ele teria seguido o caminho correto e tentado algum apoio para um projeto regular. Teria seguido as normas. Aliás, não seguir as normas foi provavelmente uma exigência dos financiadores.
– Mas, Isa… Ele… Aquele dia, na casa dele, ele literalmente disse para nós que estava fazendo algo errado!
– Não exatamente. Ele disse que quem estava fazendo isso estava agindo fora da lei. Literalmente, a última coisa que você esperaria que um culpado dissesse, não é? Ele sabia que a gente iria atrás, não importava o que ele dissesse. E, depois do roubo do cadáver, eu tinha certeza de que ele estava por dentro de tudo.
– Por quê?
– Porque eles foram direto para o joelho correto. Nem tentaram abrir o joelho que estava sem a prótese. Eles sabiam que deveriam pegar somente uma, se não, não teriam fugido. Teriam se livrado do vigia, pegado a outra prótese e, aí, sim, saído. Ou seja, só podia ser uma das pessoas com quem falamos sobre o caso: ou os patologistas, ou o Casa.
Eu concordei, como sempre, surpreso diante da clareza de pensamentos dela.
– E o projeto que você falou? Você realmente tem uma cópia?
– Ah, não, isso foi um blefe total. Ainda bem que ele caiu.
– Isa! – eu exclamei, meio rindo.
– O que foi? – ela perguntou, imagino que também sorrindo do outro lado da linha.
– Daqui a pouco estou em casa.
– Está bem. Vou te esperar acordada.
– E… Isa…
– Sim?
– Da próxima vez que te chamarem para ver um morto que anda… Não me leve junto.
– Ah, tá bom que você iria querer deixar toda essa ação de lado!
– Eu prefiro continuar andando… Enquanto estou vivo!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais
20 de setembro de 2024 @ 07:44
Que conto fabuloso! Isabella Angier é minha personagem favorita! Já virei fã! Parabéns ao autor, por todas as criações, e que Isa siga desvendando muitos casos, por muitos anos! 👏🏻👏🏻👏🏻