A mulher que era prestativa demais
Angelina era uma excelente trabalhadora. Era funcionária de uma grande empresa, e, como uma pequena formiguinha de um grande formigueiro, ninguém daria qualquer importância para ela, se ela não trabalhasse tão bem.
Muito bem mesmo, e ela se orgulhava disso: era uma pessoa extremamente prestativa. Não havia nada que seus chefes lhe pedissem, que ela não conseguisse fazer, tanto a tempo, quanto com perfeição. O que logo gerou uma série de atritos com os seus colegas, pois, quando o chefe lhes pedia relatórios, ela já os tinha praticamente prontos no computador, enquanto os outros ainda demorariam dias, senão semanas, de muito trabalho (e procrastinação) para fazer.
Isto, logicamente, chamou a atenção do seu superior, que ficou verdadeiramente satisfeito e achou que, afinal, havia encontrado alguém competente naquela seção.
– Posso lhe dar um conselho, chefe?
Estavam reunidos, ao redor da máquina de café, onde todas as reuniões e decisões importantes daquela empresa eram realizadas, o chefe e dois subordinados, colegas de Angelina.
– Que tipo de conselho?
– Sobre uma colega nossa…
– Qual?
– Uma que sempre tem tudo à mão para entregar…
– Ah, sim. O que tem?
– Se eu fosse você, chefe… Ficaria de olho. Afinal, se ela consegue fazer tudo isso, logo vai chegar o dia em ela vai chamar a atenção de peixes maiores do que você…
– É verdade – completou prontamente a moça que fazia parte do grupo. – E você sabe como é hoje em dia, chefe… Ninguém é insubstituível.
– Uhm…
Conforme o chefe foi se afastando da máquina de café, matutando, os dois se cumprimentaram, comemorando o sucesso do plano.
– Agora, é uma questão de tempo até a Angelina sumir do mapa!
Bem, o pensamento do chefe foi bastante simples: todos têm um limite, e com aquela funcionária não seria diferente. Era só uma questão de chegar a este limite.
Desta forma, ele passou a lhe pedir mais e mais tarefas, relatórios, solicitações… Mas Angelina, que era extremamente prestativa, prosseguiu indiferente, fazendo tudo e entregando antes do fim do prazo. Em pouco tempo, ela estava fazendo o trabalho de três funcionários! Inevitavelmente, os superiores ouviram falar de sua inacreditável habilidade, e o chefe ficou preocupado.
– Logo eu vou sair de férias. Do jeito que vai, vão querer colocar a Angelina para me substituir. E aí, meu emprego estará sob risco!
– Não tem problema, chefe – seus funcionários lhe reasseguraram. – Nós não queremos que ela vire chefe. Vamos fazer de tudo para que isto não aconteça!
Assim, os seus colegas começaram uma campanha para sabotá-la, tentando sumir com seus dados, tentando atrapalhá-la enquanto fazia seu serviço, mas… De uma forma inacreditável, Angelina não falhava! Tinha cópia de tudo, sempre tinha a resposta na ponta da língua, não havia nada que não conseguisse fazer. Por fim, o chefe realmente saiu de férias – e Angelina foi indicada para ficar em seu lugar.
Para os outros funcionários, foi um pouco mais fácil resolver o problema – era só não fazer nada do que ela mandasse, ou fazer tudo ao contrário. Porém, vejam só, Angelina se mostrou capaz de superar tudo isso, compensando a incompetência dos outros e trabalhando pela sua equipe inteira.
Para todos os funcionários, tornou-se uma maravilha – nenhum deles precisava trabalhar, pois havia alguém que fazia o trabalho por todos. E, certo dia, quando um dos chefões veio visitar a seção (coisa que fazia uma vez por semestre, se tanto), observou os seis funcionários fazendo aviõezinhos de papel e mexendo nas redes sociais no computador, enquanto uma trabalhava sozinha na sala do gerente.
– Mas o que raios está acontecendo aqui? – ele perguntou.
Todos pararam o que estavam fazendo; bolinhas de papel e aviões cruzaram os céus, perdidos, para baterem em paredes; mensagens das redes sociais piscaram, esperando por serem respondidas, e figurinhas idiotas, por serem compartilhadas.
– Foi a Angelina que liberou a gente para ficar aqui sem fazer nada! – exclamou um deles.
O chefão, soltando fumaça pelas ventas, entrou na sala e bateu a porta atrás de si; encarou a mulher, sentada na mesa, abarrotada de papéis, aparentemente indiferente ao que ocorria do lado de fora da sala.
Tinha algo muito estranho acontecendo.
– Angelina… Me explique o que seus funcionários estão fazendo lá fora.
Ela parou – não sabia quem o homem era, pois era apenas uma formiga na associação, não conhecia seus superiores, mas sabia que qualquer um que não fosse daquela seção era seu superior, logo… – e encarou o chefão.
– Na realidade, eu não sei… Estou substituindo meu chefe nas últimas semanas, pedi para que eles fizessem as tarefas, como meu chefe sempre pediu, mas… Eles simplesmente se recusaram, e eu achei mais fácil fazer tudo eu mesma.
– Então você está fazendo o trabalho de sete pessoas?
– Mais ou menos…
E o chefão se sentou ao seu lado para ver o que ela estava fazendo exatamente. Do outro lado, as pessoas apenas viam o que acontecia por uma pequena janela, sem saber exatamente o que estavam dizendo, e começaram a imaginar; certamente, estava levando uma senhora bronca. E a partir daí era uma questão de tempo até ela ser despedida.
O chefão saiu de lá sem falar nada; na sala, Angelina permaneceu, também, quieta. Na seção, nenhum dos funcionários se aventurou a perguntar o que havia acontecido.
Em um mundo ideal, Angelina teria sido promovida; viraria superiora do superior do superior do seu chefe, no mínimo. Entretanto, estamos, mais uma vez, no país Pernil. Assim que saiu da sala, o chefão foi se encontrar com o seu superior e lhe disse o que tinha achado. E o seu superior foi ríspido:
– Demita-a.
– Mas, por quê? Ela é uma excelente funcionária! Imagine o que não poderia fazer pela nossa empresa?
– Justamente por isso. Se continuar assim, logo você e eu vamos perder nosso emprego. Ela é muito perigosa. Não pode ficar aqui.
O chefão foi obrigado a concordar. Ela era perigosa demais.
E, assim, Angelina foi demitida – por ser uma mulher que era prestativa demais.
Mas esta história termina de forma feliz: os superiores da matriz na Alebanha ficaram sabendo da presteza de Angelina e a chamaram para trabalhar lá – onde ela fez tanto sucesso, que virou a responsável pela filial da Emérdica Patina. E logo deu um jeito nos seus antes superiores que não queriam saber de trabalhar…
Nota do autor, setembro de 2021: algum fundo de verdade nesta crônica? Deixo você me dizer.
A titulo de curiosidade: tem um pouco de mim nisso aí, também. Um dia, minha chefe literalmente me disse: “Sua produtividade não pode ser tão mais alta que a dos seus colegas, como vou fazer para explicar para os meus superiores?”. É, pois é.

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais