Crônica de Réveillon
A ideia foi sem dúvida bastante original; tudo bem, eles passaram um bom tempo planejando, e não, não era uma coisa que alguém sem muito dinheiro – e muito mesmo – pudesse fazer, mas isso não tira a originalidade dela. A família Portões já havia ido para tudo quanto era canto no final do ano – haviam visto queima de fogos nos países mais bonitos do mundo. E agora, quando o patriarca da família, em seus 87 anos, estava, provavelmente, vendo a sua última virada do ano, todo mundo queria fazer algo especial. E foi isso que fizeram, depois de o mais novinho da família, o caçula, ler um livro chamado “A volta ao mundo em 80 dias”.
Fazendo uma surpresa, a família inteira foi para uma ilha do lado da linha internacional da data, fingindo quererem ser os primeiros a comemorar a virada de 2005 para 2006. Dormiram bastante antes da comemoração, tiveram um ótimo jantar e… Em vez de ir para a praia, quem diria, foram para o aeroporto! Alguns minutos antes de dar meia-noite, eles subiram no jatinho particular, aceleraram e… À meia-noite, quando estouraram uma garrafa de champanha, o avião decolou, e eles estavam indo para oeste…
Foi uma briga pau a pau com a lua para ver quem ficaria na frente nesta corrida desesperada, mas o avião estava em boa vantagem – haviam planejado tudo, e não estavam seguindo pelo equador, mas sim por uma latitude mais alta, de modo que a circunferência da Terra seria menor e eles poderiam vencer a meia-noite – ou algo assim. Ninguém tinha entendido como. Só sabiam que funcionava; o patriarca, porém, nem isso.
– É assim vovô. Nós vamos comemorar a virada do ano no mundo inteiro ao mesmo tempo.
– Ahm?
– Enquanto nós estivermos seguindo para lá, está vendo, vai continuar meia-noite.
– Ah… Por isso que esse relógio aí nunca sai das doze horas?
– É.
– Achei que tivesse acabado a pilha…
Pouco antes de chegar a alguma capital importante do planeta, eles aceleravam, para depois diminuir e passar bem vagarosamente por ela, quando estouravam uma outra garrafa de champanha, comemorando o réveillon.
– Tóquio! Conitiuá! Sushi! Xangai! Banzai! Moscou! Moscovitch! Hic! Berlim! Aftasar-hic!-demdoemhemorroidas-hic!-idem! Pa-hic!-ris! Ô Revoá! Hic! Ma-hic!-dri-hic!-! As-hic!-ta hic! la Bis-hic!hic!-ta, com-hic!-pa-hic!-nheiros-hic!hic!hic!!-!
Foram vinte e quatro comemorações, vinte e quatro garrafas de champanha e vinte e quatro jantares. Quando finalmente aterrissaram no último país antes da linha internacional da data, havia uma enorme quantidade de gente esperando por eles para comemorar o ano novo no aeroporto. Depois de vinte e quatro horas completamente parados no tempo, tudo voltou a correr normalmente, e ainda era o dia primeiro de janeiro de 2006. Explicar isso para o patriarca foi um inferno. Assim que saiu do avião, tudo que ele quis foi ir para o hotel e se sentar em uma poltrona, para ficar assistindo à televisão. Os outros foram para o banheiro. Muita comida, muita bebida e enjoo de fuso horário e volta no tempo (é mais ou menos assim que o Papai Noel se sente. Não é fácil não). Era coisa demais para um ano só. No ano seguinte, iam se resumir a ficar em casa. Ou, quem sabe, ir para a Paulista ver os fogos.

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais