O menino que não sabia fazer bola de chiclete
– Quer um chiclete, Jefferson?
– Não, obrigado, não quero não. Não gosto.
– Ah, pegue um, vai! Todo mundo pegou, só você vai ficar de fora? Nunca vi essa, não gostar de chiclete!
– Não, não posso… Minha mãe fala que dá cáries.
– Oh! Mamãe não deixa! – exclamou um.
– Largue a mão de ser besta, não tem açúcar! – exclamou outro.
– Vou correndo contar pra mamãe! – zombou o terceiro.
– Ah, tá bom, vai. Dá um logo – aceitou Jefferson, por fim.
Mas sabia que não deveria ter feito isso. Afinal de contas, era sempre melhor que zombasse do fato de que ele não queria – ou não podia, ou não gostava – mascar chiclete, do que…
– Ploc!
– Ploc!
– Ploc!
– Vamos, Jefferson, não vai fazer uma bola também?
Isto. Isto era o pior; caminhar lado a lado com seus amigos de infância, colegas da escola, totalmente incapaz de fazer uma bola de chiclete, enquanto todos ao seu lado faziam aquelas do tamanho de uma moranga, só para fazer inveja.
Ele se lembrava da primeira vez em que havia tentado fazer uma bola com chiclete; seu pai havia lhe falado: “É só esmagar o chiclete, deixar uma massa fina, prender dos lados e soprar!”. Ele fez. E, na hora em que soprou…
– Plac! Sblosh!
O chiclete voou e caiu no meio do estrume.
– Vamos, tente outro – ele disse. Mas não adiantou. Jefferson passou anos e anos tentando, às vezes com orientação profissional, às vezes, escondido, na calada da noite, mas nada. Ele era incapaz de soprar bolas de chiclete.
– É, filho… Acho que é mais fácil você nunca mascar chiclete na frente de ninguém.
E assim ele vinha fazendo nos últimos anos.
– Não gosto de fazer bola – Jefferson respondeu aos amigos, naquele dia. – Ele fica meio gelado, perde o gosto… E uma vez ainda grudou um mosquito!
Os outros riram.
– Não sabe, não sabe! – exclamaram e começaram a zombar, apontando para ele e fazendo bolas só para provocar.
Um deles, por sinal, ainda fez uma bola sair de dentro de outra bola! Como que conseguia fazer isso??
– Nossa, Enzo, você vai ganhar fácil a competição de amanhã! – exclamaram os outros, impressionados.
Mas não teve jeito. Jefferson enfiou as mãos nos bolsos e saiu andando cabisbaixo. Teria de trocar de escola novamente, ou não conseguiria sobreviver à humilhação dos dias seguintes.
– Não, Jefferson! Nada de trocar de escola!
– Mas, mãe…
– A gente acabou de mudar você de escola! Não faz nem quinze dias!
– Mas eles vão zombar de mim eternamente! Eu vou me formar, vou estar lá, pegando o diploma, e eles vão se juntar e fazer milhares de bolas de chiclete e estourar tudo na minha cara, só para me esnobar!
– Pare com essas bobagens, Jefferson! É só não dar bola pra essa coisa de bola de chiclete, que eles vão parar. Eles só zombam porque você se importa.
– E tem como não me importar, mãe? Você não sabe o que é, o que eu sofro… – ele falou e saiu batendo os pés para o quarto, onde se trancou.
Na cozinha, a mãe só balançava a cabeça.
– Essas crianças…
O garoto ficou em seu quarto, deitado na cama, perguntando a Deus por que ele não podia ter direito a uma felicidade simples, como fazer bolas de chiclete, em vez de todos aqueles montes de brinquedos que não lhe serviam para nada, que nunca poderiam substituir este simples prazer, quando seu pai chegou.
– Filhã-ão! Olha o que eu trouxe pra você!
E lá veio ele com uma série de balões, alguns deles daqueles de linguiça, infláveis e flutuantes, com os quais ele fez uma torre I-Fell¹, um cachorro, um barco, um lagarto e até uma réplica da Basílica de Vainocano, que imediatamente flutuavam para o teto.
Jefferson apenas balançou a cabeça. Quantos anos seu pai achava que ele tinha, para ainda se divertir com aqueles balões?
– Ah, filhão, não fique assim… Que tal uma luta de espadas? Ah-há! Eu sou o capitão Barba Verde! E esta é minha barba de plástico inflável e flutuante!
Bom, todo mundo sabe que, não importa o mau-humor, não há como resistir nem a uma guerra de travesseiros, nem a uma luta de espadas de bexigas, então lá se foi ele, terminando sua cansativa batalha em uma explosão de risadas.
– Amanhã será um novo dia! – o pai anunciou, indo-se do quarto.
E, enquanto via os balões flutuando no teto, o garoto teve uma ideia brilhante e pensou: seria mesmo.
Trabalhou a noite toda, mas conseguiu preparar o que queria; foi a um posto de gasolina que possuía uma loja de conveniência 24 horas, comprou um chiclete e, chegando a casa, testou a sua invenção. Funcionava!
Era bastante simples: tinha pegado emprestado o tanquezinho de gás hélio portátil que seu pai usava para encher os balões, instalou o bico no seu braço, saindo por dentro de sua mão e, contanto que a deixasse bem perto da boca, na hora de soprar o balão, era só prendê-lo com cuidado e conseguiria fazer uma bola de chiclete, sem que ninguém visse que, na verdade, quem estava fazendo era o tanque portátil.
– É isso aí!
Agora, só faltava a oportunidade para usá-lo.
Foi quando se lembrou: o dia seguinte era sábado e, às dez da manhã, iria se realizar o torneio municipal de bolas de chicletes, do qual Enzo participaria com sua técnica super secreta de bola dentro de bola! Ah, eles iriam ver! Iria ganhar de qualquer um!
O dia seguinte prometia grandes glórias!
Quando afinal chegou o momento do torneio, todos os melhores sopradores de bola de chiclete de toda a cidade estavam reunidos em um campo aberto; juízes haviam se posicionado, fiscais isolavam a área e exigiam total silêncio para concentração dos participantes, fotógrafos estavam em posições, e meteorologistas analisavam o vento, para se certificar do melhor momento para iniciar. Afinal, uma simples rajada poderia pôr tudo a perder.
Quando viram Jefferson fazendo sua inscrição, seus colegas imediatamente vieram tirar sarro.
– O que é que você veio fazer aqui? Ver sua humilhação total e completa?
– Total e completa é um pleonasmo. Que tal estudar um pouco de português, antes de sair falando asneiras? – ele respondeu.
– Vixi! O nerd se irritou! Ui ui! – zombou de volta Enzo. – Te espero na arena, boboca!
E lá se posicionaram, em fila. O pai de Jefferson, que havia ido ao local para tentar vender bexigas, usando sua bomba reserva – pois não conseguira achar a portátil em lugar nenhum! – não acreditou quando viu o garoto e ficou genuinamente feliz.
– Oras! Meu filho está enfrentando seu medo! Vai lá, Jefferson!
O garoto acenou de volta. Os cinco meteorologistas, estrategicamente posicionados, em um sincício chuparam seus dedos e os estenderam para cima; e, progressivamente, um a um levantou o polegar, indicando que a competição poderia começar.
Havia três categorias: a maior bola, a mais durável e a mais criativa. Os chicletes foram entregues em mãos, todos da mesma marca e tipo, especiais para este tipo de torneio, com uma elasticidade e uma resistência semelhantes às de uma teia de aranha, testados previamente por mascadores oficiais, e, ao mesmo tempo, todos os levaram à boca e começaram a mascar.
Jefferson se preparou; pegou um tubo, como se fosse manteiga de cacau, mas que na verdade era cola em bastão, e passou nos lábios; em seguida, colocou a mão do lado da boca, encaixou o bocal, respirou fundo e… A bola começou a encher! Ele até deu uma ou outra pausa, para fingir que estava inspirando, mas não parou. A bola enchia, enchia, enchia…
– Vejam só, meus amigos telespectadores deste grandíssimo torneio! Jefferson, 12 anos, um até então amador e iniciante neste mundo das bolas de chiclete, está se revelando um exímio bolista! Pois é! Vejam só como sua bola de chiclete aumenta, aumenta e aumenta! Haja fôlego, minha gente! Ele deveria ser cantor! Aposto que conseguiria cantar o “Galopêssego”, daqueles cantores sertanejos, sem a menor dificuldade! Está crescendo, crescendo… E por que ele coloca aquela mão na lateral? Reinaldo César Lebre, qual é a sua opinião a respeito?
– Bom, a regra é clara, Falcão: não tem nenhum problema em colocar a mão na lateral da boca para ajudar a criar pressão de enchimento. A medida, portanto, é legal.
– Caros amigos e telespectadores deste torneio emocionante de titãs das bolas de chiclete! Jefferson, 12 anos, um iniciante nesta fina arte, está surpreendendo a todos com esta bola, que já deve passar de um metro de diâmetro! Tendapequena, me diga, o que você acha disso?
– Nunca vi, na história deste esporte, uma bola tão grande assim, nem nunca consegui fazer nada parecido, e olha que eu participei deste esporte na época dos grandes nomes! O garoto é um prodígio! Já posso vê-lo nas olimpíadas do ano que vem!
– É isso, caros telespectadores. Vocês estão aqui acompanhando… Ó, meu Deus! O que é que está acontecendo aqui? Jefferson está flutuando! É isso mesmo! Flutuando! Reinaldo, me explique, o que é que está acontecendo?
– Também nunca vi isso acontecer, Falcão. É fisicamente impossível uma bola de chiclete flutuar, porque, afinal de contas, ela fica cheia de ar! Deve haver alguma irregularidade. Vamos precisar do tira-teima para ter certeza.
– Vamos ver a reprise aqui… É, realmente, Jefferson está flutuando a um palmo do chão, sem a ajuda de nenhum… Olha lá! Olha lá! Meus caros telespectadores, isso é inacreditável! Ele está flutuando mesmo! Agora, já subiu um metro, dois… Os seguranças entraram na arena, para tentar segurá-lo, mas Jefferson, este prodígio de 12 anos, está flutuando cada vez mais! Não há quem o segure! Tendapequena, isto faz parte da técnica?
– Ahm… Num sei! Num sei!
E lá se foi Jefferson, subindo cada vez mais. Com o chiclete grudado na boca e a válvula travada, ele não conseguia parar de encher sua bola, que foi crescendo, crescendo… Em pouco tempo, ele estava alto no céu e parecia um zepelim.
A polícia foi acionada; rapidamente um helicóptero se aproximou, mas o vento causado pelas hélices empurrava o balão de chiclete para baixo, criando uma situação perigosa para a pobre vítima do sequestro chicletal.
– Afastem-se, afastem-se! – falou um dos policiais para o piloto. – O balão está descendo!
E eles se distanciaram. O balão continuou a ascender, e logo foi pego por uma corrente de vento.
– Está sendo puxado para a direção norte-nordeste!
– Está se aproximando do pico do Jaguará! Precisamos intervir, antes que ele colida.
– Iniciem a manobra de busca e apreensão no morro, conforme treinamos com o BODE²! – ordenou o comandante.
– Hup! Hup! Hup! – exclamaram os comandados.
O helicóptero subiu o máximo que pôde, para garantir que não iria afetar o percurso do balão de chiclete; enquanto isso, os soldados se ataram a cordas e as jogaram para baixo, descendo cuidadosamente com elas. Jefferson, neste ínterim, berrava como louco, com a voz extremamente fina, mas que ficava presa na bola de chiclete.
– Muito bem, muito bem, está cercado! – disseram; eram quatro em torno do garoto.
– Vou iniciar a manobra de aproximação!
O policial começou a se balançar para lá e para cá, fazendo “wiii!” a cada empurrão, até que, por fim, alcançou o garoto. Mas… Uma rajada de vento o empurrou para longe.
– Peguei! – gritou outro, dando um salto em direção a ele.
Conseguiu pegar o garoto pela cintura, e teria voltado para trás, se o balão não o tivesse puxado para cima.
– Manobra de desinsuflação! – exclamou o líder.
Os companheiros subiram pelas cordas; um deles puxou a corda do que segurava Jefferson, para chegar mais perto. E, cuidadosamente, como só batalhão de operações delicadas conseguia fazer, eles pegaram uma agulha e…
– 3… 2… 1…
PLOC!
O balão estourou; o soldado segurou Jefferson; e uma quantidade impressionante de bala de goma foi arremessada pelos ares, esborrachando-se nas árvores logo abaixo. Mas estava tudo bem; as câmeras dos repórteres reproduziam tudo, ainda que a distância, e, no solo, todos comemoravam. Jefferson estava a salvo!
Quando retornou ao solo, são e salvo, inevitavelmente teve de dar explicações sobre como havia feito aquilo e acabou por mostrar seu pequeno aparelho de gás hélio. Todos ficaram chocados, e o garoto foi desclassificado por dópim. Logicamente, Enzo ganhou na categoria de criatividade, e Falcão Chateno narrava tudo com emoção, afirmando veementemente como era deplorável o fato de que, até mesmo em um esporte inocente como o chiclebolismo, as pessoas usavam das táticas mais perversas para ganhar.
Bom, Jefferson voltou para casa macambúzio, com muito chiclete ainda grudado em seu rosto, lábios e cabelos; ficou a noite toda no hospital, onde teve de passar por um procedimento não tão delicado e bastante doloroso para remoção da goma.
Tudo terminaria na maior tristeza, se este não fosse o país Pernil. Pois, na segunda-feira seguinte, um homem de terno e chapéu veio visitá-lo.
– Jefferson, eu sou representante do Finess Buqui e eu vi na televisão o que você fez. Aqui está: é um cheque de um milhão de Falsos.
– Por quê?
– Você entrou no livro como campeão em três categorias: a maior bola de chiclete já feita, e o voo mais longo e mais alto em um balão de chiclete da história. O recorde anterior era de 20 segundos, e você voou por dez minutos! E alcançou quase dois mil metros de altura!
Assim, Jefferson ficou famoso, mostrando ser o maior soprador de bola de chiclete de toda a história. Até hoje, ninguém conseguiu bater o seu recorde – nem ele mesmo, que nunca mais se arriscou a chegar perto de um chiclete. Seus lábios doem só de imaginar.
Nota do autor, setembro de 2021: preciso confessar algo para vocês: não sei fazer bola de chiclete! Nunca consegui – e acho que nem com a técnica de Jefferson eu conseguiria!
¹ Torre famosa de Pachoras, um país na Pseudoropa, construída por Jacques I-Fell, cujo nome originalmente não era esse, mas acabou se tornando, porque, depois de construí-la, ele literalmente caiu, e os tritânicos, inimigos mortais dos tranceses, não puderam deixar de tirar sarro.
² O Batalhão de Operações Delicadas (BODE), sediado no Mar de Fevereiro, é responsável por todas as atividades mais delicadas da polícia do País Pernil, como, por exemplo, resgatar gatos das árvores. No alto do morro controlado pelos traficantes. Vestidos de bailarinas. Ao meio dia. Sem água. E munidos de tesouras infantis de pontas redondas. Com desenhos de bonecas.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais