O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem
Eu sento na classe irrequieto, a aula começou há meia hora, e o ventilador girava em vão, desde de manhã, tentando abafar o calor que chegara com a massa de ar quente há uns cinqüenta dias. “Se pudesse, iria para casa. Talvez minha mãe chegue mais cedo hoje, e, se o fizer, dormirei muito”, foi pensado por mim. “Vá para casa”, dizia a mim o tempo.
Aí está. Todas as formas verbais, incluindo as nominais, explicadas pela professora na aula de Português. Meu Deus, quanta coisa! E é tudo culpa Dele, porque, como dizem, no começo era o verbo. Por que não o substantivo?
O que eu gosto no presente do indicativo é que ele é simples, sabe? Nada muito complexo, só o habitual, como na frase “Eu costumo comer panquecas no café da manhã”. Calórico, sim, mas muito gostoso.
O pretérito perfeito já foi melhor, mas ficou jogado para trás, no meio do caminho. Cansou e parou. Aconteceu e acabou. Veio e foi. Foi um verdadeiro passageiro de ônibus. Entrou e saiu de nossas vidas e nem pestanejou. Ingrato!
O pretérito imperfeito costumava, como tem o hábito o presente, andar de ônibus, mas era jogado sempre para trás, com o pretérito, e acabava se tornando um hábito, um hábito já terminado, mas contínuo, tão contínuo que o imperfeito se irritava. E criava frases como “Ninguém era perfeito” e “Ninguém era pretérito imperfeito”, que o presente passa para si, em seu tempo.
O pretérito mais que prefeito costumara ser um cara legal, mas convencera-se tanto de que fora o mais, que o condutor de ônibus o jogara para depois do imperfeito, para tentar criar vergonha na cara, algo que não conseguira, e ficara acanhado, tanto que no presente nem se usa mais.
O futuro do presente sempre dirá que está por vir, mas parece que nunca chegará. Dirá que o amanhã será um novo dia, que será melhor. É a esperança à qual o presente gosta de se apoiar. Ele anteverá tudo que virá a acontecer, mas nunca poderá dizê-lo, sendo o seu dom e maldição.
Do mesmo modo, o pretérito perfeito quis ter o seu futuro, mas foi jogado para trás, do mesmo modo que seu futuro seria, mas seguir por aquele caminho o ônibus não seguiria, logo o futuro do pretérito nunca viria.
“Sigam a ordem do imperativo”, é uma placa que o presente acha normalmente no seu dia-a-dia, e se empolga, resolve mandar em todo mundo, com frases simples, ainda que dominadoras, como: “Compre já!”, “Ligue já!”, ou até rudes, como “Cale a boca!”, porque o presente logo deixa seu ego inchar muito fácil, e pensa que manda.
Eu não gosto do presente do subjuntivo. É muito indeciso. Está sempre no talvez, como “Talvez chova amanhã, talvez neve amanhã”, ou dá conselhos inúteis, como dizer “Talvez faça sol hoje, portanto convém que levemos protetor solar”, quando é um dia chuvoso em Londres, no inverno.
Já o que me irrita no pretérito imperfeito do subjuntivo é que ele vive apenas no seu mundo hipotético, como “Se eu tivesse feito”, “Se eu tivesse ido”, ou “Se eu não tivesse ido”. Anda sempre com o futuro do pretérito, que roubou para si; “Se tivesse estudado mais, não teria repetido o ano”.
Quando o futuro do subjuntivo chegar, é bom me avisar e colocar um prato a mais na mesa, porque ele virá com o futuro do presente, muito metido, sempre a se meter quando não é chamado, apoiado em coisas que provavelmente acontecerão.
Subjuntivo é indeciso demais!
Gostar do infinitivo ser bom, ser simples, ser fácil. Não ter complicação, não ter dificuldade, ser viver e deixar viver!
O gerúndio já está sendo, no entanto, uma pedra no meio do caminho, está sendo um incômodo, porque está vindo conforme o presente está se alongandooo… Não estou gostando, porque, afinal, tudo é passageiro, não está podendo ficar se demorando!
O que mais gosto é do particípio. É decisivo, forte, a ação acabada e mostrada, nua e crua, tal qual não gosta de ser vista. Uma maravilha de ser lido e ainda como adjetivo pode ser servido.
Mas, para falar a verdade, acho todo esse negócio de tempo verbal muito complicado, por isso escrevi numa aula de Português e Biologia, tentando torná-lo mais simples, e fazer mais sentido que a frase “O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem; o tempo respondeu pro tempo que tem tanto tempo quanto o tempo tem”.
Haja tempo!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais