Despedida de Solteiro
Desculpem pelo atraso para escrever esta crônica. É complicado de se escrever no dia em que as coisas acontecem quando se passa 75% dele (incluindo a noite) correndo atrás do Chato, que simplesmente desapareceu da face da Terra. Mas isso é outra história.
Bom, tudo começou um bom tempo atrás, quando o Chato estava namorando uma mulher, a Marla, que concordava com absolutamente tudo que ele falava, o que, como de costume, apesar de ser uma benção, ele encarou como um enorme defeito e queria terminar com ela. Eu, fazendo mais uma vez o que não deveria fazer, resolvi intervir e falar para ele que não valia a pena, que ele deveria continuar com ela, porque ter uma relação na qual a sua namorada concorda com absolutamente tudo que você fala é um sonho irrealizável por pessoas comuns (o que me leva à eterna pergunta, O que leva alguém a fica com o Chato?). Mas, obviamente, como só ele consegue fazer, ele foi lá fazer besteira e não só não terminou com ela como a pediu em casamento. E ela gosta tanto, mas tanto dele, que nem mesmo ao se transformar em um macaco gigante radioativo e só não matá-la pela ajuda dos professores Luiz e Marcos César, ela quis terminar com ele. Em verdade, parecia ainda mais decidida.
E não é nem porque o Chato era que nem o Óustim Pauers (o agente Bond Cama), já que ela era daquelas prendadas (literalmente), mas porque… Ah, sei lá eu por quê. Ela era doida, só isso, como todo mundo que eu conheço, para variar só um pouquinho.
Enfim, a ideia da despedida de solteiro veio quando eu e o Chato estávamos no Chópim, tomando (adivinhem, adivinhem!) café.
– Calmaí, você tá conferindo a minha nota? – indagou ele, irritante como de costume, para a pobre moça do caixa, enquanto eu gesticulava: “Corre! Corre e nunca mais olha pra trás!!”.
– É rotina padrão, senhor. Nós temos de conferir todas as notas…
– Mas, calmaí, você não confia em mim?
– Claro que confio, mas…
– Se confiasse, não estaria checando a nota! Eu tenho cara de quê?
– De bunda! De bunda! – gesticulei, mas ela não pegou.
– De ladrão, deve ser! Eu lá tenho cara daqueles caras que ficam passando nota falsa? Eu ganho muito bem, para a sua informação – empertigou-se.
– Cem reais de mesada dos pais não é ganhar bem… – murmurei.
– Não obstante! (Acabáramos de passar em uma livraria) Eu tenho dinheiro de verdade para pagar. Eu não preciso passar nota falsa. Logo, pra que ficar checando a minha nota?
– É rotina padrão…
– Rotina padrão, rotina padrão! Este é o problema de vocês, escravos do sistema…
Eu me peguei pensando, então, que se ela era um escravo do sistema e o Chato era um parasita que dependia do dinheiro dos pais, ele era um escravo dos escravos do sistema.
– … Não têm a menor imaginação!
Ela tentou murmurar um desculpe envergonhado, mas foi obliterada pela tsunami (palavra de sexo indefinido que virou moda ser usada e agora eu coloco no meu texto só para, no futuro, ao ser analisado, descobrirem o período estilístico – período tsunamiesco – em que estávamos) do discurso dele.
– Tanto que, só por causa disso, eu vou chamar você para o meu casamento!
Elefantas, quem é que vai pagar pelo casamento dele, afinal de contas?, pensei, e descobriria do jeito mais difícil ao receber a fatura do cartão de crédito no mês seguinte.
– Moça do caixa do Café do Ponto… Pronto, anotei. Daqui um tempinho, vou mandar entregarem um convite para você. E espero que você não vá ficar conferindo ele, achando que é falso, heim!
Ela assentiu e o Chato, em toda a sua esnobeza, pegou seu prato e veio se sentar à mesa (rimou).
– Você acredita numa coisa dessas? – perguntou, inconformado.
– Uhm, sabe o que eu tava pensando?
– O quê?
– Vai ter despedida de solteiro?
– Por que, eu deveria ter?
– Claro! – comentei. – A despedida de solteiro é a sua última chance de saber como é viver. É mais ou menos como o dia anterior à morte na cadeira elétrica, quando deixam o preso andar pelos jardins da prisão e comer do bom e do melhor, entende?
– Ah, sim. E a gente devia fazer uma?
– Claro! – respondi prontamente. Sempre quis participar de uma.
– Tudo bem então… Mas, como vamos fazer?
– Pode deixar que eu conheço alguém que conhece alguém que vai organizar tudo direitinho pra você… – ri malevolamente, antes de engasgar com o café, obviamente.
E assim foi. O amigo do meu amigo organizou tudo e, em questão de dias, o tempo voou e lá nos encontrávamos nós, em Sorocaba (porque, como eu não podia sair de lá para ir pra São Paulo pra festa, o Chato a havia transferido pra cá), arrumando-nos para o último dia da vida do meu rotundo amigo. Obviamente, ele acabou pagando tudo com o meu cartão de crédito (agora eu sei como a minha carteira sumiu) e vocês nem imaginam a conta…
Mas, de uma coisa eu sei; nunca mais eu peço nada para aquele amigo do amigo, porque, na festa de solteiro…
Era uma coisa sofrível. Primeiro, quando entramos no bar, era uma portinha com uma luz vermelha em cima, em uma casa abandonada lá nos quintos dos infernos, toda ferrada, parecendo aquele lugar. E, lá dentro… Deus do céu, nem se comenta. Tudo meio escuro, enfumaçado, acho que meio para não se identificar exatamente o que estava acontecendo, e, no palco, dançando, algumas formas disformes que eu preferia não ver.
Aparentemente só nós dois não conhecíamos o lugar, porque, quando aparecemos por lá, não havia nenhum dos outros convidados.
Agora, de um modo estranho, o Chato se mostrou atraído por aquelas criaturas aterradoras e peludas (seriam resquícios do Sorocongue?).
– Sério, da próxima vez eu te arranjo um gorila… A gente vai no zoológico de Sorocaba.
Ficamos lá uns dez minutos, o Chato se embebedando para tentar compensar a noite, mas, não teve jeito. Quando o negócio começou a ficar tenso, decidimos fugir dali.
Por fim, liguei para um amigo meu, que me recomendou um bar-balada para ir, e lá fomos eu e o chato para a sua despedida de solteiro de verdade.
O lugar era bom sim, e o Chato já estava doidão e todo empolgado, gastando dinheiro a rodo com bebidas no meu cartão de crédito, dançando a macarena e tudo a que tinha direito, praticamente um Maicou Jéquisom, digo, Pavarotti dos anões, quando resolveu descansar ao meu lado (notem que eu tomava um suco¹ e tinha de me esconder vez por outra atrás do balcão para fugir da dançarina que, eu juro, tinha piscado para mim²).
– O que você acha, heim? Acho que eu pego aquela ali, ó!
– Você vai se casar! – inconforclamei
– E?? É por isso mesmo que elas tão olhando pra mim! A aliança tem poder! É o anel do Poder! Eu sou o Sauron, praticamente!
– Meu Deus…
– Eu sou praticamente um Chuck Norris com essa aliança! – gritou, levantando o anel e deixando o brilho dourado explodir por todo o salão. – Quer ver, levanta a sua.
Eu levantei, e 75% das mulheres e 15% dos homens olharam para mim.
– Agora, tira.
Com dificuldade, arranquei o bagulho; 175% do salão deixou de olhar pra mim. É sério. 3 das paredes se viraram de costas e pararam de me olhar, não sei como, assim como o chão, que me virou as costas.
– Meu Deus!
Eu coloquei e tirei, coloquei e tirei, e me olharam, desolharam, reolharam, redesolharam.
– Não acredito nisso!
– É isso aí, beibe! – berrou o chato, pulando em uma mesa, chutando a vela para longe e dançando (a aliança sempre brilhando), arrancando a camisa, já. E, acredite ou não, as mulheres caíam em cima dele.
Dois minutos depois, ele caiu no chão, zonzo de sono, as mulheres ainda em cima dele, e eu tive de chamar mais três amigos meus para conseguir arrastar (não levantar; arrastar. Observem o peso dele) para fora de lá, levando-o para casa.
Assim acabou a festa, e, às seis da manhã, que eu consegui dormir.
E, no dia seguinte, ele ia se casar. Ai, meu Deus… Eu não queria nem ver.
(Um mês depois, chegou a conta do meu cartão de crédito, com gastos de 80000 reais. A primeira parcela. Ainda tinha mais 11…)³.
Nota do autor, setembro de 2021: queria ter algo para comentar sobre esta crônica, mas não tenho. Rsrsrsrs
¹ (Nota de 2021) Eu só comecei a beber bebida alcoólica com 21 anos. Imaginem como foi o período de trote… Ainda bem que meus veteranos foram sensatos.
² (Nota de 2021) Na época, eu estava namorando.
³ (Nota de 2021) Nem eu sabia que eu tinha um cartão de crédito tão poderoso!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais