Mulheres, mulheres, mulheres!
– Eu vou terminar com a Joana.
– Peraí, eu acho que eu já ouvi isso.
Lá estávamos mais uma vez eu e o chato, o chato e eu, nós quatro, sentados a uma daquelas mesas de lachonete/restaurante/bar. Como de costume ele bebericava a água com uma fatia de limão em um copo de champanhe, com açúcar mascavo e um guarda-chuvinha em cima, e eu tomava aos grandes goles a minha xicrona de um litro de café-com-leite, especial para estas conversas que eu tinha com o chato.
– De qualquer forma, eu vou terminar com a Joana.
– E por que desta vez? – perguntei, tomando um loooongo gole, conforme ele me contava sobre a trilhonésima nonagésima quinta mulher com a qual terminava um namoro, ou relação, ou seja lá que tipo de coisa que os chatos mantinham com as chatas.
– Porque ela tem medo de me passar seu telefone pela Internet. Pode um negócio desses? Como se espiões fossem tomar a nossa conversa e ligar para ela!
– Pode ser que de repente uma daquelas agências de telefonia resolva fazer telemarquetim com ela…
– Mesmo assim, é absurdo!
– Não foi este o mesmo motivo pelo qual você terminou com a Janice?
– Não, ela comia pepino sem caroço. Onde já se viu um negócio desses?
– E aquela outra que veio antes dela… A… Ahn…
– Amanda?
– Isso.
– Não suporto. Fala tudo com tu, e ainda por cima não sabe conjugar direito! Não dava para aguentar!
– E a que veio depois, aquela…
– Mariângela? Ela parecia um biscoito chinês ambulante, isso sim! Você vai se dar bem na vida, é nos menores atos que estão as melhores verdades, uma pedra no caminho vale mais que uma pedra no sapato, quem olha para cima não vê o buraco… Não comi biscoito da sorte por um ano por causa dela.
– Nem eu… – murmurei para mim mesmo, porque EU estava junto quando ela começava com as suas frases por um longo mês no qual ficaram juntos…
– Mas ainda assim não era pior que a Madeinusa.
– Que tinha ela?
– Ela comia frango xadrez sem amendoim! Quero dizer, amendoim é a alma do frango xadrez! Se não tem amendoim, não tem frango xadrez!
– Esquisito que muitas pessoas diriam isso do frango…
– Mas ainda assim era melhor que a Josefina, que comia tudo com aqueles palitinhos de comida chinesa, japonesa, coreana, ou seja lá o que for.
– Acho que japonesa – opinei.
– Já viu ela comendo ervilha? Vai grão por grão! É um saco! Eu ficava horas tendo de aturar ela comer! Os jantares de domingo eram um inferno. O que me lembra…
– Ah, não! – murmurei.
– A Eduarda, que via o Faustão.
– A Duda, sempre a Duda! Ela sempre volta para alguma conversa! – pensei, engolindo mais um pouco da bebida antes que morresse.
– Era insuportável! Todo fim de semana, ela na minha casa ou eu na casa dela, eu tinha de ver aquele gordo! Falando nisso, o que há com aquele cinto? O cara deve precisar de dois guindastes para apertar daquele jeito!
– Na verdade, tem gente que é bem mais magra da cintura para baixo.
– O que me lembra a Katie.
– Pobre Katie… Que Katie? – perguntei, sem me lembrar das trocentas bilhões de mulheres que ele já havia descartado.
– Era aeromoça. Sempre gostei de aeromoças, sabe? Mas aí ela começou a engordar da cintura para cima, até que não conseguia mais passar por entre as fileiras das poltronas… A perna passava, mas o tronco…
– E é claro que agora vem a…
– Marcela, controladora de tráfego aéreo, como não esquecer? Mas não sei, ela tinha alguma coisa com sinais… Estávamos nós dois na ca…
– Não quero saber, não quero saber! – berrei, engolindo tanto café quanto podia.
– O que me lembra Jackie, aquela que nunca me escutava… E a Andréia, que era muito alta… E a… Como se pronuncia o nome dela?
– Ishikij?
– Não, essa foi outra, aquela que não comia cenoura.
– A Tsubame-chan?
– Isso aí, aquela que era muito baixa.
– E bota baixa nisso!
De fato, porque, para ser mais baixo que o chato, tinha-se de ter sido totalmente desprovido de Vitamina D e qualquer proteína durante a infância inteira.
– Reparou que você sempre acha defeito em alguém? – perguntei.
– Que eu posso fazer? Deus põe os defeitos, eu acho eles. É que nem aquele “Onde está Wally?”. O mundo é um livro aberto, e eu sou a criança em cima dele, com a tesoura.
E ele continuou falando de mulheres por horas a fio, às quais, não sei como, eu sobrevivi.
Realmente, me pergunto agora, que tipo de relacionamento alguém podia manter com o chato?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais