O Antagonista
– E aí, no final o Rabugento postou na conta do Instagram dele e foi o maior sucesso! Veja aqui!
Eu mostrei para ele o vídeo que o Rabugento fizera do Chato sendo trolado pelo cara que ele mesmo tentou trolar, e ele riu.
Neste meio tempo, a garçonete trouxe a minha água com gás, com gelo embaixo e limão em cima, e a coca dele. Diligentemente, eu usei um garfo e uma faca para jogar os gelos para um lado e empurrar o limão para baixo.
– Fala sério! – reclamou ele. – Você tá fazendo o que o Chato falou!
– É que, no fim das contas, ele até que estava certo. Faz diferença se o limão está em cima ou embaixo!
– Isso é coisa da sua cabeça. Placebo – retrucou ele, tomando a sua coca com o limão por cima. – Veja! Mesmo gosto!
– Não, não dá para saber assim, precisamos fazer um teste. Moça! Moça! Me traz dois copos com gelo e limão, por favor, um com o limão por baixo, outro com o limão por cima! Ah, e mais uma água com gás.
Vou aproveitar este momento enquanto a moça trazia nosso pedido para descrever O Antagonista. Ele tem esse nome porque, bem, ele adora ser do contra e contradizer tudo o que eu falo. Como “Do Contra” já tem dono (culpa do Maurício de Sousa!), sobrou-me apenas este nome, Antagonista (tá, eu sei, tem um jornal com o mesmo nome, mas minha outra opção seria Nêmesis, e eu acho que Agatha Christie voltaria do túmulo para reaver o título).
Ele é um teco mais baixo que eu, alguns vários quilos mais gordo do que eu, tem o cabelo loiro, olhos verdes e uma barba cerrada e mais escura que o cabelo. Qualquer semelhança com um amigo meu pode não ser mera coincidência.
– Para mim, não faz sentido. Pense comigo! A água em torno do gelo é mais fria, ou seja, você acaba sempre bebendo a água que está mais em cima do copo, não a água que está mais embaixo. Ou seja: se o limão estiver em cima, você terá mais gosto! Se ele estiver embaixo, você não vai tomar a água com limão, porque ela estará presa lá embaixo. É física pura!
– Eu tenho minhas dúvidas se é realmente assim, a gente inclina o copo. E a gente sempre pode usar um canudo!
– A gente precisaria de um limão que soltasse tinta para eu te mostrar isso – ele falou.
– Acho que ela não deve ter uma mistura de limão com lula por aqui…
– Lulimão. Ia ser da hora e ia economizar na hora de temperar! – comentou ele.
A moça chegou com o nosso pedido e o colocou na mesa, sem compreender por que raios teria um limão em cima e um limão embaixo.
– Muito bem, hora do teste. Vou encher os dois copos até em cima… Certo. Agora, feche os olhos. Não vale roubar, ehm! Eu vou te entregar um, você toma, depois toma o outro.
Ele tomou.
– E aí, qual estava com mais gosto de limão? – perguntei.
– Os dois foram exatamente iguais – ele falou. – Vai, sua vez.
Ele completou os copos, eu fechei os olhos e ele me entregou para tomar.
– O primeiro tinha mais gosto de limão – falei.
– Há! – ele falou. – Esse é o que tinha o limão por cima!
– Não, mas a gente está fazendo o teste errado…
– Não adianta questionar o método! Quer virar o que, presidente do Brasil?
– Não, é sério!
– Admita que você perdeu!
– Vamos lá, pelos princípios da ciência, o teste tem de ser reprodutível e manter a mesma acurácia!
– Tudo bem, tudo bem, só porque você evocou os critérios do Brad¹.
Repetimos o teste; o resultado foi o mesmo.
– Tá, agora eu proponho mudar o método! Vamos tomar mais água… Isso. Agora, neste copo, o limão está por cima da água; neste copo, o limão está por baixo. Vamos ver qual tem mais gosto de limão!
Ele continuou sem ver diferença; eu acertei desta vez e disse que o limão por baixo tinha mais gosto.
– Reteste, reteste! – ele clamou.
E fomos novamente; acertei mais uma vez.
– Há! Está provado!
– Então, a solução perfeita seria colocar o limão em cima quando começa a beber, depois colocar o limão para baixo quando está no meio do copo!
– Elementar, meu caro Watson – falei. – A melhor solução é colocar um limão embaixo, e outro em cima! Está definido!
– Mas a gente ainda precisa testar a história da dissipação do lulimão.
– Precisamos de um lulimão amarelo e um azul. Imagina! Quando as cores se encontrarem, vai ficar verde!
– Tudo que precisamos é de acesso a um laboratório…
– Não tem nada lá no País de Gales, onde você mora, não?
– Nada de pesquisa de mistura de angiospermas com moluscos…
– Angioluscos? Seria da hora…
Nosso almoço chegou. Neste meio tempo, eu vim com outra proposta filosófica.
– Tenho uma prova de que o universo não é infinito.
– Como assim? – ele questionou.
– Pense comigo: Thanos fez assim, ó, com um estalo, e sumiu com metade da população do universo. Bem, se o universo fosse infinito, primeiro que a população também seria infinita; ou seja, não daria para você sumir com metade do infinito; e, segundo, ele levaria um tempo infinito para acabar com toda ela, certo? Não daria para sumir com tudo de uma vez, ou isso contrariaria a teoria da relatividade².
– A não ser que isso já estivesse para acontecer, tipo com a ação fantasma da informação das partículas subatômicas³ – ele retrucou.
– Mas estamos falando de coisas muito maiores que partículas subatômicas!
– Mas não temos certeza se o universo é determinístico ou não.
– De qualquer forma, isso não resolveu o problema matemático da metade do infinito.
– Bem, ele usou joias do infinito, que têm poderes sobrenaturais, da origem do Big Bang ou coisa parecida. Quer dizer, elas podem tudo, não? – falou ele.
– Agora, você está jogando nas costas da magia, é? Você sempre reclama quando eu faço isso nos meus livros!
– Eu faço isso só pelo prazer de retrucar. Além disso, não sou eu quem está tentando provar que o universo tem fim a partir de um filme da Marvel!
– Sério, eu não sei por que eu ainda discuto com você.
– É porque ninguém mais iria discutir essas maluquices. Eu tenho certeza de que metade das pessoas desistiu de ler esta crônica quando viu a nota do Bradford-Hill.
– Certeza de que foi quando eu descrevi você – retruquei.
– Se você tivesse se descrito primeiro, as pessoas nem passariam da primeira frase!
Revirei os olhos.
– Tá bom, vamos lá, tenho outra dúvida: como pesar uma pessoa no espaço, se não tem gravidade?
– Caraca, essa é uma boa pergunta… – comentei, pensando, enquanto tomava a minha água com limão.
Quer saber? Acho que a melhor solução é usar limão espremido. Que rodela de limão, que nada.
¹ Bradford Hill descreveu 9 critérios essenciais para que uma pesquisa científica tenha relevância. Reprodutibilidade e acurácia são dois deles.
² Só para você não se perder, nada pode ser mais rápido do que a luz. Se tudo o universo desaparecesse instantaneamente, isso significaria que o poder de Thanos foi mais rápido do que a luz, porque afetou o universo inteiro ao mesmo tempo.
³ Isso faz parte da física quântica. Pelo princípio da incerteza de Heisenberg, quando vemos uma partícula subatômica, só podemos saber sua velocidade ou sua posição, mas nunca as duas coisas. Agora, se duas partículas se originarem da mesma fonte e forem para duas direções opostas, seria possível descobrir a velocidade e a posição de ambas, medindo a velocidade de uma e a posição de outra. No momento em que medíssemos a velocidade de uma, a outra assumiria exatamente esta velocidade, fazendo uma transmissão de informação que supera a velocidade da luz (ação fantasmagórica à distância, segundo Einstein). A única explicação para isso seria se, desde o começo, as duas partículas compartilhassem esta informação, o que significaria que o universo já sabe o que vai ocorrer de antemão, o que acaba com o nosso livre-arbítrio. Já fundiu a cuca, aí?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais