O Lugar no Shopping
Ah… Dia de semana no Shopping! Nada como poder chegar, dar uma passeada, olhar as vitrines, passar pela praça da alimentação e…
Ficar desesperado. Quer dizer, tudo bem que é meio-dia, mas não tem sequer um lugar, um lugarzinho, onde eu possa me sentar para comer? Pelo amor de Deus, é dia de semana, o que todo mundo resolveu fazer no Shopping bem à essa hora?
Aparentemente, o mesmo que eu.
Mamãe, no entanto, educou-me bem (quer dizer, ela e uma placa muito interessante que eu li em outro Shopping), e eu aprendi que se deve dar preferência das mesas às pessoas com bandejas. O que é lógico; pessoas com bandejas comem e vão embora, o que leva em média uns vinte minutos (o que, do ponto de vista d’O Capital, de Marx, significa que a mesa ao final do dia vale umas 20 vezes o seu valor original. O motivo deste comentário? Não sei). As pessoas que pedem e esperam, contudo, podem ocupar a mesa por uma hora, às vezes mais.
Sendo assim, como uma pessoa educada e civilizada, eu fiz o pedido do meu almoço e fiquei em pé, esperando. Com meus olhos de lince (e Dexter Morgan) secando qualquer um próximo para que saísse logo da mesa, como toda pessoa civilizada, logicamente.
E, por fim, eis que, quando me servem o meu prato de comida japonesa (só por falta de tempo para fazer cosplei e pela existência da minha esposa, eu não sou um otaku, mas só por isso), eu vislumbro uma mesa vagando. Uma mesa! No meio daquele mar de gente!
E eu avanço o mais rápido possível, logicamente tomando cuidado para não derrubar o meu chá, mas, na minha frente, como já bem dita a lei de Mârfi, tinha uma faxineira, andando a passo de tartaruga. Mas, tudo bem, eu sou uma pessoa civilizada, eu não vou ultrapassá-la como um desesperado. Eu vou conseguir chegar à mesa, vai dar tempo, sim, Deus é bom com os educados…
#Sóquenão.
Eis que, um segundo antes de mim, um casal vindo de uma direção de aproximadamente 112 graus e 15 minutos sul-sudeste pegou a mesa, ele puxando a cadeira, para que ela se sentasse, com aquela expressão de felicidade, garantindo o território antes de qualquer um.
– Ei, desculpem, mas, eu não posso sentar aqui?
– Mas nós chegamos primeiro – o homem respondeu.
– É que eu já estava vindo de lá – eu respondi, apontando para o restaurante japonês.
– E nós, de lá – ele apontou para o corredor que trazia para a praça de alimentação.
– Tá bom, mas eu já estou com a bandeja – eu respondi.
– Mas nós chegamos primeiro.
Eu suspirei, inconformado. E, de repente, não mais que de repente, surge, como Moby Dick, uma enorme baleia branca, de óculos, camisa amarelo-ovo-caipira, calça cáqui boca de sino (antes ele deixava os calcanhares à mostra, mas, como agora isto está na moda, assim como meias xadrez, ele decidiu retroceder aos anos setenta, que era coisa da moda passada), suspensórios e, pasmem, uma gravata borboleta vermelha de bolinhas roxas (anos setenta/Rípister).
Pelas características, eu tenho certeza absolutamente pleonástica de que vocês já sabem de quem eu estou falando.
– Ei, vocês! Deem o lugar para ele! – disse o Chato, com uma pose impotente, digo, “Imponente”, uma mão na cintura, a outra apontando para eles.
Eu acho que ele tinha acabado de sair de algum filme de super-herói. Será que ainda estava passando O Homem de Aço?
– Mas nós chegamos primeiro.
– Mas a regra é clara! A preferência é de quem está com a bandeja! A mãe de vocês não ensinou, não?
– Escute aqui, seu baixote – disse o homem. Ele era um japonês com cara de invocado, e sua esposa era loira, com cara de metida. – Não se meta no assunto dos outros.
O japonês era baixo, mas o Chato era ainda mais baixo e tinha de olhar muito para cima para encará-lo olhos contra narinas.
– Acontece que…
Eu fui embora. Quer dizer, no meio do salão deveria ter um lugar, e simplesmente não valia a pena. O que, exatamente, eu não sei. Não sei se era pior a falta de consideração das pessoas, ou o Chato brigando com elas, mas enfim… Contanto que ele não virasse o Bizarro Rulque enquanto eu não terminasse o meu yakissoba, eu já estaria feliz.
Muitos minutos depois, ele veio, fumegante, e puxou duas cadeiras para se sentar (porque ele precisava de uma para cada nádega, como já bem disse inúmeras vezes).
– Eu não me conformo com a falta de consideração das pessoas! – exclamou ele. – Acho que vou postar isso no feicibuqui. Vou postar uma foto deles, fazer um réchitégui, colocar algo do tipo gentilezageragentileza e idioticegeraidiotice. Será que viraliza?
– Provavelmente não. E você seria processado por danos morais e plágio.
– Que ódio! – ele exclamou, batendo na mesa, o que a fez tremer mais pelo peso do seu braço banhoso do que pela sua força.
– Que mal me pergunte – eu falei, entrelegumes – o que raios você está fazendo aqui? Como foi que me encontrou?
– Você sabe que você se destaca na multidão, né?
– Porque eu sou terrivelmente lindo?
– Porque você parece o Ronald McDonald’s moreno.
– Sempre suspeitei.
– De qualquer forma, eu soube que você estava no Shopping graças a isso! – ele exclamou, mostrando-me, triunfante, um daqueles celulares de última geração que fazem inveja a quase qualquer um.
Ele tinha um daqueles relógios que você usava no pulso que, além de ativar o celular, podia chamar o planador do Batman, aparentemente. O preço era equivalente, ao menos.
– O Weizi!
Um aplicativo de GPS comunitário! Eu estava usando para ir para todos os lugares, até a pé para a padaria, para acumular pontos e virar um weizer cavaleiro, e, pelo jeito, o Chato estava me seguindo! Isto explicava muitas, mas muitas coisas.
– Mas como que…
– Eu fico de tocaia todo dia, esperando você sair da sua casa e, quando aparece no meu mapa, eu vou atrás.
– Ai, meu Deus… Sério, você precisa de terapia…
– E você deve estar se perguntando, “como que eu nunca vejo ele no mapa?”.
Considerando que ele não era meu amigo no Weizi, não era mistério algum.
– Eu fico invisível. Ninguém me vê. Demais, não?
Aí, eu fiquei encucado. Eu o tinha como amigo??? Era um perfil falso, tinha de ser. Sempre achei que aquele Rolando Rego Pinto de Carvalho não era um cara de verdade. Tinha de deletá-lo o mais rápido possível!
De qualquer forma, não tive muito tempo para comentar. O Chato tinha levado tanto tempo na sua discussão, que não só a mulher tinha se levantado no meio para ir pedir a comida, como eu já tinha lido dez páginas de um ebuqui e comido mais da metade do prato. Com isso, pouco depois eu já tinha acabado.
– Bom, eu preciso ir – falei. – Tenho um monte de coisas para fazer. Preciso… Ahm… Estudar para a prova de residência.
– Ah, é verdade! – ele exclamou, levantando-se em um salto (ou, devo dizer, uma quicada?). – Como você está indo nas provas? Quer dizer, eu…
De repente, ele parou e olhou para o lado.
– EU NÃO ACREDITO! QUE ABSURDO!
Lá estava o casal, sentado à mesa, esperando a comida chegar. E já fazia mais de vinte minutos que eles tinham roubado meu lugar.
– ROUBARAM O SEU LUGAR E NEM ESTÃO COM A COMIDA! CADÊ A PREFERÊNCIA DA PESSOA COM A BANDEJA? QUE ABSURDO!!! ELES VÃO SE VER COMIGO!!!
Se vocês já leram histórias do Chato minhas o suficiente (duas são o suficiente, contando com esta), vocês já devem imaginar os possíveis finais. O Chato vai lá, briga com eles, transforma-se no Bizarro Rulque, destrói o Shopping e termina na cadeia. Eu, enquanto isso, fujo para casa e descubro algum tempo depois que ele pagou a fiança com o meu cartão de crédito. Pois, se vocês imaginaram isso… Estão quase certos. Só que, em vez de fugir, eu fui para o andar de cima, no extremo oposto, onde estaria relativamente seguro de eventuais danos à estrutura do prédio, e pedi um café. Quer dizer, quem, em sã consciência, ia sair correndo sem tomar um café, depois do almoço?
Coisas importantes primeiro. Depois, eu ia pensar em como me livrar do Chato.
Ah, sim, e antes de terminar esta crônica, uma coisa importante: muitos de meus leitores dizem que eu faço bulingui nas minhas descrições a respeito da gordura do Chato. Na realidade, estou sendo o mais fiel à realidade possível. Contudo, antes que alguém tenha a ideia de me processar (agora, por que alguém iria se posicionar para ajudar o Chato, esta é uma excelente pergunta), devo dizer que eu tenho direitos adquiridos de bulingar o Chato (ele assinou um contrato). E, além disso, como eu mesmo já fui gordo um dia e já passei por bulingui… Está bem, isso não é desculpa, foi só uma oportunidade para dizer que… Ah, desencana. Melhor guardar o contrato com carinho, mesmo…
Nota do autor, outubro de 2021: o shopping em questão era o Morumbi, cuja praça de alimentação está sempre, sempre, sempre entupida! E já aconteceu comigo algumas vezes de, com a bandeja na mão, encontrar uns folgados guardando lugar. Só que, como vocês podem ver na crônica, eu não sou um cara de brigar – não, mesmo – e acho mais fácil ir achar outro lugar para comer.
Na verdade, eu simplesmente parei de comer na praça de alimentação daquele shopping…

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais