O galo dos ovos de ouro
Chico morava em um sítio com seus pais e avós, onde criavam todo tipo de animal: vaca, porco, cabra, galinha, cavalo… Ele tinha um galo de estimação, chamado Roger, que curtia cacarejar na hora errada. Toda manhã, em vez de despertar a fazenda às 6 horas da manhã, ele cantava às 3. Chico levantava-se e ia lhe dar carinho e convencê-lo de que não, ele não estava no fuso horário do Reino Unido, mas, sim, do Brasil. Com isso, Roger ficava quieto e se segurava até o amanhecer de verdade.
Tudo aconteceu quando conversas estranhas, às escondidas, começaram a surgir na sua casa. Certo dia, Chico conseguiu entreouvir, depois de ficar esperando atrás da parede do celeiro.
– Aquele galo num serve di nada – falou seu pai. – Num procria, num canta no horário certo… Acho que tá na hora di dar um fim nele e fazê um ensopado.
– Mas, e o Chiquinho? – perguntou sua mãe. – Vai ficá triste que só!
– Ele aguenta. Galos não duram muito tempo, mesmo. A gente compra um novo.
Chico saiu correndo antes que eles descobrissem onde ele estava e, em seu quarto, pôs-se a pensar; como poderia salvar Roger? Sabia que não tinha como corrigir seu relógio interno, e também não tinha como resolver o problema de procriação, mas, será que ele poderia fazer alguma coisa de útil?
Olhando para a sua estante de livros infantis, ele teve uma ideia brilhante.
No dia seguinte, no poleiro onde ficava Roger, seu pai descobriu uma coisa muito inusitada. Saiu correndo para dentro da casa, portando um ovo dourado!
– Jemima, olha isso! – disse, mostrando o ovo para a esposa.
– Ara! É um ovo di oro?
– É o que parece!
– É pesado?
– Igual um ovo normal.
– Será que é só a casca, então? Ouro é pesado, num é?
– Diz que é.
– Qué tentá abri?
– Ainda não. Vamu pra cidade!
E, com isso, enquanto Chico foi para a escola, os dois pegaram o ônibus e foram para a cidade, onde encontraram um comprador de ouro, que avaliou o ovo.
– Não, definitivamente, não é de ouro – ele disse. – Pelo menos, não inteiro.
– Será que só a casca? – perguntou o pai, torcendo o chapéu de tão ansioso.
– Só abrindo o ovo para saber – o ourives disse, olhando por cima dos seus minúsculos óculos que ficavam na ponta do nariz.
– Podi abri, sinhô.
Ele delicadamente quebrou o ovo em uma xícara, e dele não saiu nada de excepcional, apenas uma clara bem clara e uma gema bem forte.
– Ovo bão – disse o pai.
– Pois é. Mas, por dentro, é só um ovo. Por fora… A casca não me parece de ouro, também, mas tem alguma substância depositada na casca do ovo.
– Acuma?
– Pode ser algo como pó de ouro, talvez… Não sei. De alguma forma, sua galinha deposita um material dourado no ovo.
– Galo.
– Acuma?
– É um galo botador.
– Um galo? Nunca vi isso!
– Acontece. Muito di veiz em quando. Meu tataratataratataravô diz que tinha um galo botador. Era sinal de sorte, feiz a fazenda crescê que só.
– Bom – disse o ourives, devolvendo as cascas. – Não tenho interesse em comprar isso, mas o senhor talvez consiga fazer algum negócio com esses seus ovos… Peculiares.
Jemima e seu marido se entreolharam e voltaram para casa, pensativos. Que tipo de negócio poderiam fazer?
Chico chegou da escola muito ansioso; e aí, o que dera do Roger, o miraculoso galo botador de ovo?
– Filho, cê credita que seu galo pôs um ovo?
– É sério? – perguntou ele, inocentemente. – O Roger? Mais num é macho?
– Parece que mais ou menos – respondeu a mãe. – E o ovo é dourado!
– É de ouro? – questionou ele.
– Não, a gente levou lá na cidade. Num é.
– Mais o sinhô lá falou que a gente podia aproveita a oportunidade e fazê um negócio com isso – disse o pai. – Qué dizê, si o Roger bota di novo amanhã.
Chico afagou seu queixo, como via seu pai fazer com a barba, quando estava pensando em algo.
– Uhm… – ele falou.
No dia seguinte, seu pai entrou correndo na cozinha pela manhã.
– Ele botô di novo! – exclamou, empolgadíssimo com o ovo dourado.
– Intão acho qui ele vai botá todo dia! – falou Chico, igualmente empolgado.
– Tudo bem. Mas, o que a gente faz cum isso?
– Eu tenho uma ideia…
Pouco depois, estava tudo montado: uma conta na rede social anunciando a venda de miraculosos ovos dourados botados por um galo, que poderiam fazer milagres pela sua saúde. Como só havia um Roger e ele só botava um ovo por dia, a oferta seria muito restrita, e a demanda, bem, esperavam que fosse enorme, fazendo com que cada pequeno ovo valesse uma fortuna!
No começo, não deu muito certo; passaram-se algumas semanas sem que ninguém manifestasse muito interesse pelos ovos dourados. Até que um amigo de Chico lhe deu uma ideia:
– Que tal “Ovos gourmet dourados de galo quântico”? Afinal de contas, é um galo que é uma galinha ao mesmo tempo, não é?
A sacada foi genial; a conta bombou, pessoas se batiam para conseguir os ovos, cujas propriedades miraculosas eram cada vez mais ampliadas na internet. Tinha uma fila de espera, e eles chegaram a cobrar, por um ovo, o suficiente para comprar um boi!
O sítio de Chico prosperou como nunca. Mas, um dia, vieram os estraga-prazeres: cientistas queriam descobrir como raios um galo poderia colocar ovos dourados.
– Acontece. Muito di veiz em quando. Meu tataratataratataravô diz que tinha um galo botador…
– Não, seu Argermiro, a gente sabe disso. Um a cada 200 galináceos pode ser ao mesmo tempo macho e fêmea. A nossa curiosidade é com essa substância dourada, à qual estão atribuindo centenas de propriedades quase mágicas!
– Ah, disso eu já num sei.
– Só temos uma opção: vamos passar uns dias aqui e observar o seu galo.
E, assim, os cientistas se postaram, perseguindo o galo de cima a baixo, observando seus hábitos, tudo o que ciscava ou deixava de ciscar. Nos primeiros dias, ele continuou botando, até que…
– Esta noite, vamos ficar com ele – disseram. – Vamos ver exatamente o momento em que ele bota o ovo.
Chico engoliu em seco. Como faria?
Assim, eles mudaram o galo de lugar, para que pudessem se postar diante do poleiro. Roger não ficou lá muito feliz, mas, ao menos, teria plateia às três da madrugada.
E, como relógio, ele cacarejou; os cientistas deram um pulo, assustados, pois estavam quase dormindo nessa hora. Chico apareceu pouco depois, acariciou o galo, explicou sobre sua posição no mundo e sobre os meridianos que demarcavam o tempo, como sempre fazia, o galo se aquietou, e ele se foi, olhando por sobre os ombros para os cientistas desconfiados.
Naquele dia, Roger não botou nenhum ovo.
Seu Argemiro ficou nervosíssimo! E se o galo nunca mais botasse?
– Oceis assustaram meu galo! – ele disse. – Simbora daqui!
– Não, seu Argemiro, acalme-se! Talvez nós tenhamos feito uma dinâmica muito disruptiva.
– Acuma? Fala portuguêis!
– Acho que deixamos o seu galo estressado. Vamos deixá-lo livre e dormir onde sempre dorme.
Assim, depois de um dia de descanso, eles se postaram do lado de fora do galinheiro. Às três da manhã, eles viram Chico entrar, conversar com o galo e sair.
– Ele já botou, garoto? – perguntaram, desconfiados.
– Eu não conferi – ele disse.
– Deixa eu ver! – exclamou um deles, entrando no galinheiro.
E, lá no poleiro do galo, encontraram um ovo dourado!
Ele olhou desconfiado para o menino, que abriu um sorriso.
– Acho que ele estava mesmo estressado.
Os cientistas devolveram o ovo, que estava quentinho, quentinho, e foram dormir.
No dia seguinte, vieram com uma nova proposta:
– Vamos instalar câmeras.
– O quê?
– Para vigiar o seu galo. Precisamos entender como ele consegue fazer isso – afirmaram, sem tirar os olhares desconfiados do menino.
Assim, instalaram câmeras por todo o sítio, especialmente no galinheiro. Roger se tornou o galo mais vigiado do país. Chico, empreendedor nato, vendo que sua artimanha logo cairia por terra, resolveu se aproveitar ainda mais uma vez. Começou a vender um pay-per-view do Big Rooster Brasil, também conhecido como “O Galo de Ouro”: um programa que vigiava o galo mais valioso do país.
A população foi à loucura; centenas de milhares de assinantes, loucos para ver o galo que botava ovos dourados que podiam curar até o câncer.
Bem, Roger continuou acordando para cacarejar às três horas da manhã todos os dias, e milhares viam Chico diligentemente caminhar até lá, vigiado por quatro câmeras em posições diferentes, e conversar com o galo. Mas, desde que começou a ser monitorado, nada de ovos. Depois de um mês, o suficiente para todos ficarem muito, muito ricos, a operação foi desativada; o Big Rooster Brasil foi descontinuado, e os jornais se dividiam: farsa? Ou será que o galo estava sofrendo de síndrome de Burnout, ou apagão dos artistas, ou a boa e velha síndrome da folha em branco dos escritores?
O debate continuava, e Chico surfava na onda da fama e da fortuna. Por fim, quando havia passado tempo que ele julgou suficiente, Roger misteriosamente voltou a botar seus ovos dourados; mas, por mais que os cientistas quisessem realmente estudar e descobrir a razão daquilo tudo, havia uma horda de seguidores da seita do “Galo de Ovos de Ouro”, que não se importavam se era verdade ou não; tudo o que eles queriam eram os ovos gourmet daquele galo quântico. E, assim, Chico continuou muito rico e muito feliz por muito, muito tempo. E Roger conseguiu evitar de virar ensopado, cantando sempre no fuso horário do Reino Unido, o que era bem compatível com a vida de realeza que levava.

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais