A louça suja
Eu acho que o problema de todos os casais, não importa há quanto tempo estão juntos, se resume a uma simples coisa: o cuidado com a casa. Aposto que a grande maioria dos casais briga por uma coisa idiota como esta: quem vai lavar a louça, que vai limpar o banheiro, quem vai varrer.
Porque, ora, quem disse que nós, mulheres, temos de fazer todo o serviço de casa? Desde quando vem isso? Afinal, tivemos a revolução, tivemos o feminismo, agora nós podemos trabalhar, mas, por que deveríamos fazer uma dupla, tripla jornada, enquanto o homem faz apenas uma?
Toda esta série de pensamentos começou – bem, na verdade, não começou, porque eu sempre tive, mas apenas reavivou – quando eu cheguei à minha casa outro dia.
Estava lá o Danilo, jogado no sofá, com uma garrafa de cerveja na mão, e o Marcos e o Jeferson, seus dois colegas de trabalho, sentados no outro sofá. Uma caixa de pizza na mesa, salgadinhos e diversos sanduíches, daqueles que se faz na sanduicheira, em pratos, alguns meio comidos, outros inteiros. Os três vidrados na televisão, acompanhando o que, acho, devia ser o time do Palmeiras (quer dizer, o uniforme era verde brilhante, deve ser do Palmeiras, não? Tem outro time que usa camisa de cor de marca texto?) jogando contra Deus sabe quem. Tinha migalhas por todo o lugar, estava a maior sujeira, e a cena era, em resumo, patética.
Nem ao menos boa noite eles me deram.
– Boa noite para vocês, também, viu! – exclamei.
Mas, bem na hora, todos jogaram as mãos para o alto e se lamentaram por mais um gol perdido do time marca-texto. Desisti e fui para o quarto, deixar minhas coisas.
Mas, no meio do caminho…
Uma verdadeira cena de filme de terror. A cozinha estava um caos. Tampinhas de garrafa espalhadas por todos os lugares; embalagens de frios abertas sobre a mesa; algumas fatias de pão aqui e ali; migalhas por todos os lugares, pratos, bandejas e outros utensílios culinários que eu nem sei como ele conseguiu usar só para fazer sanduíches; e, o pior de tudo: a sanduicheira.
Ah, invenção dos infernos, aquela sanduicheira elétrica! Quem inventou, eu tenho certeza, inventou para dar um trote nos usuários. E pior ainda quem compra, porque sabe o trabalho que dá limpar! Acho que é algum tipo de vingança, alguma coisa assim. Dar uma sanduicheira de presente de casamento é tipo o cavalo de Tróia do século XXI.
Mas aquilo não iria ficar assim. Fui para o quarto, troquei de roupa e fiquei remoendo; como podiam deixar tudo tão bagunçado? E, eu tenho certeza, ele ia deixar tudo para eu limpar, claro. Depois do jogo ele iria estar meio bêbado, cansado, iria querer dormir… Afinal de contas, assistir ao futebol é uma coisa estafante! Muito sofrimento ficar vendo os seus amados 11 jogadores correndo atrás de uma bola, sem conseguir marcar gol, e ainda perdendo em casa, não é?
Eu tinha duas opções: primeiro, ir reclamar imediatamente. Lógico, como estavam vendo o jogo, não iriam prestar atenção, não iriam dar a menor bola e ainda por cima ficariam extremamente irritados. Ainda mais se eu desligasse a televisão. Ou então, eu poderia ser uma pessoa civilizada, esperar o intervalo e ir reclamar.
Uhm…
Preciso dizer qual preferi?
– Os senhores querem me dizer o que é aquela bagunça na cozinha??? – perguntei, postando-me na frente da televisão.
– Não, querida, agora não! É cobrança de pênalti, grande chance do verdão! Deixa eu ver!
– Não enquanto vocês não me explicarem por que parece que um furacão…
– Eu limpo depois, pode deixar que eu limpo! Mas deixa eu ver o jogo!
Ele estava desesperado, olhando para lá e para cá, tentando enxergar através de mim, e eu devo dizer que fiquei bastante tentada a ficar lá por mais um pouco, só para ele não ver a cobrança do pênalti, mas eu me controlei e saí civilizadamente.
Duvidava que ele fosse cumprir com a sua palavra…
Mas fiquei esperando. Fui fazer minhas coisas, tomei banho, li um pouco… Como o time deles estava na segunda divisão, os horários eram diferentes, então, enquanto eles estavam lá, assisti à novela no quarto. Ouvi seus gritos, percebi quando o Palmeiras tomou um, dois, três, quatro – era possível? Quatro gols na segunda divisão? Não é à toa que estavam lá! –, mas, com alguns gritos de “Aleluia!!” entre os xingamentos ao juiz, eu percebi que ele devia ter se recuperado. Perdeu de 4 a 2, pelo que eu contei. Ao menos não foi tão feio.
Ouvi quando eles se despediram, saíram, tristonhos, e meu marido trancou a porta. Logo em seguida, como previsto, veio para o quarto, deitou ao meu lado, enquanto eu usava o noutibuqui sentada, e bufou, cobrindo os olhos.
– 4 a 2! Pelo amor de Deus! Desse jeito, a gente nunca vai sair da segundona! Time sem vergonha…
Fiquei em silêncio mais um pouco, para ver se ele se tocava. Logicamente, não.
Gostaria de saber se eles fazem isso porque realmente não se lembram, ou se eles só fingem que não se lembram para não terem de fazer. Não sei. Deve ser um pouco dos dois.
Quando percebi que seus olhos já estavam meio fechando, cutuquei.
– E a louça, ehm?
– Ah, mozinho… Quebra essa, vai! Deixa que eu lavo amanhã!
– Nada disso! Nada de lavo amanhã. A cozinha está uma bagunça. Ainda bem que eu comi antes de chegar, se não, não ia nem ter como fazer nada, lá. Pode ir tratando de arrumar sua bagunça! Você não chamou seus amigos? Então!
– Mas, querida…
– Nem vem com essa. Eu não sou nem a sua mãe, nem a sua empregada, para ficar limpando sua sujeira! E pode dar um jeito na sala, também, que tá imunda. Parece que um bando de porcos passou por lá.
Ele ainda tentou enrolar um pouco na cama, mas eu o cutuquei novamente.
– Tá bom, tá bom! – reclamou ele e foi, bufando.
Fiquei no quarto, só ouvindo. Parece que, quando eles vão contrariados (aliás, quando eles não vão contrariados?), eles fazem questão de fazer mais barulho ainda. Pude ouvir panelas caindo, tigelas escorregando na pia, o barulho da torneira aberta por muito mais tempo do que deveria… Mas, depois de uma hora – sabe Deus como eles conseguem levar tanto tempo para arrumar uma cozinha! – ele voltou, ainda mais exausto.
– Não basta o verdão perder, e perder feio, ainda tenho de ficar lavando a louça… Ô, dia, não sei nem por que levantei…
E se virou na cama, mal humorado.
Porém, como toda boa mulher… Eu não consegui me conter. Dizendo que ia ao banheiro, saí do quarto e realmente fui, mas depois fiz questão de passar pela sala e pela cozinha para ver o estado de tudo. Até que estava arrumado. Mas…
A sanduicheira estava uma nojeira; parecia que ele não tinha passado nada além de um guardanapo para limpar. E, quanto às tigelas e copos… Tudo engordurado.
Ardi de raiva.
Por que eles fazem isso? Será que os homens são realmente incapazes de lavar uma louça de forma decente, ou eles lavam mal, mesmo, para se vingar? Ou com a expectativa de que a gente desista de pedir para eles lavarem a louça, de tão ruim que ficou?
O que me levava à questão: o que fazer? Se reclamasse com ele, com certeza ele iria dizer: “É assim que eu lavo a louça, se não gostou, não lavo mais”, e seu plano, aliás, o plano de toda a raça masculina daria certo. Por outro lado, se fosse lavar agora, ele iria ouvir e com certeza iria dormir com um sorriso no rosto, também porque o seu plano deu certo.
Mas não podia deixar a louça daquele jeito. Poderia deixar para lavar na hora em que fosse usar, mas, e se viessem visitas? O que iriam pensar, ao ver a minha louça imunda daquele jeito? Dizer que o Danilo que lavou ia ser a pior das coisas.
Não tinha outra escolha…
Voltei para o quarto, e ele já estava dormindo, roncando como qualquer um que passou uma ou duas garrafas de cerveja da dose costumeira.
Duas da manhã, meu despertador tocou, tão baixo, que só eu ouvi. Levantei com cuidado, para ele não acordar, saí, fechei a porta e fui, pé ante pé, até a cozinha, onde, de portas fechadas, lavei toda a louça de novo.
No final das contas, parece que algumas coisas não iam nunca mudar. Mas eu tinha de fazer valer o meu ponto.
Nota do autor, setembro de 2021: vou dizer a solução para todos estes problemas: uma lava-louças.
De qualquer forma, minha teoria: acho que os homens lavam mal de propósito. Revendo esta crônica tantos anos depois, gostaria que Talita deixasse a louça suja mesmo, tivesse seu estoque próprio de louças e talheres e deixasse ele usando as coisas sujas e nojentas. Mas, sabe o que é o pior? Certeza que Danilo não iria se importar…

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais