A Sogra
Como todos sabem, a sogra é a pessoa mais temida em toda a família do seu marido. Os motivos são diversos, e eu poderia fazer um livro só com eles, mas vou contar apenas a respeito da minha sogra.
Bem, ela seria uma ótima pessoa, se não fosse… A minha sogra. Eu não entendo por que; a minha mãe é ótima com o meu marido, ele chega, ela faz café, ela liga, pergunta dele, do trabalho dele, compra presente no aniversário… Minha sogra nunca pergunta de mim quando liga; lembra do meu aniversário sempre com um dia (ou uma semana) de atraso, apenas para dizer a minha idade, sempre com a expressão: “Ah, você tem três anos a mais do que o meu filho, então está com x anos”. E nunca faz café – quer dizer, faz café para ele, mas não pergunta se eu quero alguma coisa, apenas fala, quando eu recuso o café: “Puxa, você não toma? Eu sempre esqueço… Quer água?”.
O maior problema é quando ela vem comer em casa. Bom, na verdade, até então ela nunca tinha vindo, mas eu já tinha certeza de como seria: ela iria reclamar de tudo. Por quê? Não sei. As mães dos maridos gostam disso; as noras nunca são boas o suficiente. E como eu sabia que ela ia fazer isso? Bom, ela faz o mesmo com a esposa do meu cunhado…
Ela vir era inevitável, já que tínhamos de chamar todos os padrinhos para comer em casa. E eu tinha duas escolhas: fazer um prato igual ao que ela sempre faz, mas muito melhor, o que seria uma afronta – mas teria um gostinho de vingança! –; ou fazer um prato diferente, de algo que eu sei que ela gostaria, mas nunca faria em casa.
Ah, e precisava ser chique.
E, de preferência, ter entrada, salada, primeiro prato, segundo, terceiro, sobremesa, doce para o café e…
– Chega! Tá parecendo o nosso casamento tudo de novo! – meu marido exclamou. E aí eu me controlei.
Peguei o meu livro de receitas – toda boa dona de casa tem um livro de receitas em casa, mesmo que ele esteja novo como no dia em que o trouxe da livraria – e folheei, como sempre fazia nas minhas horas de desespero. Mas eu nunca encontrei nada que me atraísse, e desta vez não foi diferente… Tudo parecia complicado demais, apesar do título “Cozinha nunca foi tão fácil!”. Puxa, se isso era o fácil, imagine o razoavelmente difícil?
O cara da TV sempre faz parecer tão fácil…
Bom, decidi o que iria fazer, fui fazer as compras no dia anterior com o meu marido, combinei para o jantar, expulsei-o de casa no dia seguinte pela manhã e comecei o trabalho às oito da matina. É, até as oito da noite, deveria dar tempo.
O que eu planejei: de entrada, um creme de mandioquinha com bacalhau. Para a salada, uma salada ceasar. Para o prato principal, risoto de palmito. De sobremesa, torta de limão. E, para beber, um belo vinho branco. Acho que estava bom, não?
Já contei antes sobre as minhas peripécias na cozinha, mas, depois daquilo (caso você não se lembre, eu queimei o primeiro feijão que fiz, entre outros), eu devo dizer que estava me tornando uma grande chef. E assim fui fazendo, com toda a concentração possível, torcendo a todo momento para que desse certo.
Mas o tempo foi indo, eu fui fazendo as coisas, e, não sei por que, parecia que não daria tempo! Comecei fazendo a torta, que acabou queimando no forno, porque eu estava muito entretida tentando entender como fazer para dessalgar o bacalhau (o cara da internet falava que eu tinha de ter tirado no dia anterior, mas eu esqueci! E agora???).
Encarei a torta queimada como um mau presságio, mas não podia me abater por isso. Não. Fazer uma nova torta iria atrasar todo o meu planejamento. Então, era hora de tomar uma decisão drástica; ligar para a minha irmã.
– Carla, sabe aquele bolo que só você sabe fazer…?
Com isto resolvido, e uma sensação de que estava trapaceando, comecei a cuidar do bacalhau, que foi até que bem. Depois o risoto e… Bom, não vou ficar chateando vocês com os detalhes. O importante é que, às seis da tarde, com tudo pronto, liguei para ela novamente.
– Mas, você ainda quer que eu leve aí?!
– Você sabe como é, é a mãe dele, tenho que fazer tudo certo…
Ela reclamou bastante e só concordou porque eu tive de lhe jogar na cara que, quando ela tinha casado, dois anos atrás, e a sogra dela vinha para o jantar, eu tinha ajudado.
E, por fim, eles chegaram. Aquelas conversinhas básicas, a mesma coisa de sempre, ela mais interessada no meu marido do que em qualquer outra coisa. Servi os aperitivos.
– Vocês vão ver, a Talita preparou um jantar todo chique, cheio das coisas – anunciou meu marido.
É. O único problema era o bolo, que ainda não tinha chegado. Ai, que raiva da minha irmã! Sempre atrasada!!! Estava desesperada, mas não tinha jeito. Tinha de começar a arrumar tudo, e, quando ela chegasse, eu via o que fazer da vida.
Coloquei a mesa com meus melhores talheres e pratos (ela disse que os dela eram melhores), mas estava tão nervosa que coloquei um prato de sobremesa para a minha sogra – ela achou um desaforo, mas o meu sogro riu até não querer mais. Fiquei roxa de vergonha, troquei o prato, e meu marido abriu o vinho para distrair as atenções (o dela só não era melhor, porque este ainda era um dos que sobraram do casamento, que ela tinha escolhido). Ainda pensando onde raios a minha irmã estava, mandando infinitas mensagens no celular, que ela nunca respondia, entre uma ida e outra para a cozinha, servi o creme (ela não falou nada, meu sogro elogiou muito – “Mas ele come qualquer coisa, sabe como é”); a salada e, afinal, o risoto.
– E aí, o que acharam? – perguntei, um pouco insegura (especialmente por causa do bolo!).
– Muito bom, muito bom, mesmo! – elogiou meu sogro.
– Uma delícia, querida – meu marido falou, dando-me um beijo.
– E a senhora, o que achou?
Minha sogra limpou a boca com um guardanapo. Eu tinha certeza de que ela tinha gostado, eu podia ver no seu rosto, mas ela estava procurando as palavras certas para não dar o braço a torcer.
– Sabe, eu fiz um risoto parecido no ano passado, para o réveillon…
– Ah, mas se quer saber, mãe, esse aqui nem se compara. Está muito melhor.
O guardanapo dela caiu, e eu engasguei no meio do gole de vinho. O meu estava melhor? Era verdade? Verdade mesmo? Achei melhor não confirmar. Não tive coragem.
Minha sogra, enquanto isso, ficou lá, parada, derrotada. Seu filhinho gostou mais da minha comida. É, isso mesmo, da minha comida! Há! E agora, ehm?
Ela não falou mais nada, apenas olhou pacientemente para os lados, como se esperando a sobremesa. E a minha irmã que não chegava??? Ia acabar me matando do coração! Como podia ser tão cruel a ponto de…
O interfone tocou.
– Eu atendo! – exclamei, com um pulo.
Era ela, finalmente!
Agora vinha o grande problema: como entrar com um bolo na mão? Que explicação eu daria?
– É a minha irmã, ela finalmente veio buscar aquela forma que ela deixou aqui da outra vez – eu falei.
– Mas que inconveniente, bem no meio do jantar! – comentou a minha sogra.
– É, mas ela é assim mesmo, a senhora conhece… Vou lá e já volto. Não comam a sobremesa sem mim! – falei, acho que um pouco rápido demais. Ela deve ter percebido alguma coisa estranha, mas não falou nada. Ah, era culpa do vinho, vai!
Peguei a primeira forma que achei e desci correndo. Quando falei para a minha irmã sobre o meu plano, lá do lado de fora do carro dela, ela respondeu bem assim:
– E ainda vou ter que subir e aturar a sua sogra? Fala sério!
Mas, sabe como é, nada que uma chantagem emocional não faça. Ela estacionou o carro, me entregou o bolo, que eu tentei cobrir com a forma enorme que eu tinha pegado, e nós subimos. Foi ela quem entrou na frente.
– Eu estou falando pra você, Talita, de jeito nenhum que essa é a minha forma, tá toda riscada e amassada! Eu aposto com você que eu consigo achar a minha aqui… Ah, mas olha só quem eu encontro! Dona Marta!
E, como fazia parte do plano, ela logo se sentou de frente para ela e ficou conversando sobre qualquer bobagem. Eu, toda nervosa, fui por trás, levando a forma pelas costas dela.
Mas meu sogro conseguiu ver que, dentro da forma, tinha um bolo!
E agora? Ele ia contar para ela, eu tinha certeza! Estava tudo arruinado! O meu dia inteiro enfiada naquela cozinha, cozinhando e cozinhando para um bando de mal agradecidos e…
Ele sorriu e piscou o olho. E, quando viu que eu estava passando bem por trás dela, chamou a sua atenção, para que não me visse e eu fosse segura para a cozinha.
Ufa! Tinha conseguido! Peguei outra forma qualquer e voltei para a sala, para entregar para a Carla.
– Ah, vá, Talita! Você aqui, no fim do jantar, chegando na melhor parte, que é aquele bolo delicioso que só você sabe fazer, e você vai me expulsar de mão abanando com uma forma vazia? Nem a pau! Pode pôr um pratinho aí para mim também!
Que irmã enxerida! Com certeza, ia dar rolo. Mas não tive escolha. Trouxe o bolo, coloquei na mesa, coloquei os pratos, e, diante do seu pedaço, minha sogra examinou cuidadosamente, quase como se estivesse procurando defeitos para descobrir por que aquela calça estava como 80% de desconto no outlet.
– Mas este é um bolo bastante complicado para fazer, Talita… Como foi que você fez?
– É verdade, maninha! – comentou a Carla, cruzando as pernas e sorrindo, não sei se para me provocar ou para contribuir na mentira. – Conta pra mim, que eu sempre quis saber, também!
De qualquer forma, eu tinha certeza que ela ia perguntar isso. Certeza absoluta! Por isso mesmo, já tinha me preparado: além do bolo, pedi toda a receita para a minha irmã e, enquanto mexia o creme, fiquei repetindo, de ponta a ponta, como se fosse uma reza, até saber de cor e de trás para frente.
– Bom, primeiro eu fiz a massa com…
E assim foi. Quando ela viu que eu sabia do que estava falando (apesar de não saber), ela desistiu e se conformou com a sua derrota. O jantar foi um sucesso! Meu sogro pediu uma marmita para mim, meio sem jeito, meio às escondidas, mas eu fiz questão de fazer uma bem grandona, com direito até à sobremesa, e lá foi ele levando, todo feliz.
– Viu só? E você ficou o dia inteiro preocupada que não fosse dar certo – disse meu marido, quando estávamos deitados.
– É, é verdade… Mas não foi fácil. Agora, me diz uma coisa: aquilo que você falou do risoto foi de verdade, ou só para contrariar a sua mãe?
– Ah, amor, o seu risoto realmente estava mais gostoso que o dela. Mas eu fiz questão de enfatizar bem, só de vingança, por ela ficar te irritando tanto.
Não sei se ele realmente gostou, mas, se quer saber, não importa. O importante é que ele ficou do meu lado. E isso significa que, depois de tantos anos no cabo de guerra com a mãe dele durante o namoro, agora, depois de casar, quem ganhou fui eu.
Nota do autor, setembro de 2021: esta crônica foi uma nova empreitada com uma protagonista feminina, baseada, claramente, em experiências da minha esposa (entre tantas outras mulheres que conheço). Acho que o embate com a sogra é um clássico familiar e acredito que muitas vão se identificar com a nossa querida Talita.
O que acharam?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais