Uma grande empreitada
– Finalmente!
Esse era o Danilo, exclamando, quando chegou à nossa casa outro dia, uma sacola na mão e uma expressão de exaustão no rosto.
– Ah, para com isso! Não foi tão difícil assim! – eu respondi.
Estava sentada no sofá, assistindo à televisão.
– Não foi tão difícil? É porque você nunca foi…
– Nunca fui, Danilo? Eu vou lá todo mês! E eu só te pedi uma vez, uma vezinha, e olha o drama!
– Lógico! Aquilo é um horror. Nunca vi uma coisa parecida. Tem trilhares de tipos! Você fica até atordoado!
– Mas eu expliquei pra você exatamente como era!
– Eu sei, mas são todos iguais! – ele respondeu, desesperado, e jogou a sacola repleta de pacotes sobre o sofá. – Dê uma olhada!
– Ai, meu Deus! Por que você comprou… Dez, doze… Vinte pacotes diferentes de absorvente???
– Por que eu não sabia qual deles você queria, afinal!
– Mas eu falei, Danilo! Eu falei!
Ele balançou a cabeça e sentou-se na cadeira, desanimado. Depois, me encarou como se fosse contar uma história trágica, triste e sofrida.
– Vou te contar a história de todo este sofrimento trágico e triste pelo qual passei – ele falou. Viram como sou boa em compreender expressões faciais? – Tudo começou quando, hoje de manhã, você descobriu que…
– Eu sei dessa parte, Danilo… Se você vai contar essa história ridícula, chegue logo na parte útil, que é me explicar por que raios você esqueceu o que eu falei. E por que você levou quatro horas pra comprar absorvente na farmácia que fica a dois quarteirões daqui!
– Enfim! Você me pediu pra comprar absorvente. E falou que ele tinha que ser fino na frente e grosso atrás, com 3 milímetros de espessura e sulcos em forma de S no meio, com asas giratórias, cheirinho de maçã e ventilador no rego! Sabe Deus pra quê!
Eu balancei a cabeça. Como assim? Eu tinha sido claríssima! Falei a marca, disse que o pacote era verde, que ele era mais fino atrás e que não tinha abas. Só isso! De onde ele tirou tanta coisa?
– E lógico que eu não ia lembrar tudo isso. Lembrei vagamente que a embalagem era roxa.
Pois é. A memória dele, além de tudo, era daltônica.
– Então, para me ajudar, eu chamei o Felipe. Liguei pra ele e disse assim: “Lipão, véi, tô precisando da sua ajuda num rolo aqui”, aí ele disse: “Tamo aí!”, aí eu contei a situação, e ele de pronto veio me ajudar.
– Uhm…
Não sei por que a linguagem estilo mano, mas enfim. Acho que era para entrar no clima de trabalho de gangue, sei lá.
– Daí, a gente se encontrou no posto quando eram dez horas. Até lá, eu sabia direitinho qual era o absorvente que você queria. De embalagem rosa e com ventilador na tampa e sulcos embaixo e 15 milímetros de espessura.
Meu Deus! A coisa só piorava!
– E aí a gente entrou na farmácia, procurando os dito cujos… Só que, sei lá eu por quê, nessa farmácia aqui, os absorventes ficam de frente para as camisinhas.
– E daí, Danilo? Que que tem?
– Como, que que tem? Dois marmanjos indo pro corredor das camisinhas? Iam achar que a gente… Sei lá!
– Mas era só virar pro lado oposto!
– Não, não ia rolar. Aí, a gente passou reto, eu fui pra seção que tem barbeador, olhei uma coisa ou outra, comprei um gel para barbear e fomos embora.
– Ai, meu Deus!
– Daí a gente decidiu que tinha de procurar em outra farmácia. O Felipe me deu carona, e a gente foi até o Shopping…
– Até o Shopping??? Por causa de um absorvente???
– E aí a gente foi na farmácia do Shopping, e lá, graças a Deus, os absorventes não ficavam de frente pras camisinhas… – ele falou, mas, de alguma forma, a expressão no seu rosto não era de alívio. Por quê? – Era de frente pras medicações pra impotência e da vaselina! Aí, não deu de novo!
Eu só balançava a minha cabeça. Ele ia terminar a história tendo passado por umas 10 farmácias, com certeza.
– Então, a gente procurou a outra farmácia do Shopping. Lá, em um grande bom senso, eles colocaram todos os absorventes ao lado dos shampoos. E não tinha problema. Quer dizer, mais ou menos, porque, enquanto eu me matava tentando descobrir qual era o de embalagem vermelha com relevo de montanhas no meio, o Felipe ficou me perguntando qual era o melhor shampoo pro cabelo dele.
– E qual era?
– E eu vou saber? Mandei ele largar a mão de ser fresco e pegar qualquer um!
– Sei…
– Tá, eu mandei ele pegar o de creme de lichia, que é o que você compra pra mim.
Dei um tapa na minha própria testa. Fazia mais de um ano que eu comprava o mesmo shampoo para ele: de cupuaçu. E, de alguma forma bizarra, ele conseguia trocar as duas frutas todas as vezes que falava do shampoo e todas as vezes que ele tentava me ajudar, pegando o errado no supermercado. Ai, ai…
– Enfim, finalmente, uma moça, uma pessoa bondosa, certamente enviada do céu, a única que se ofereceu, veio nos ajudar. Aí eu perguntei se tinha um de embalagem amarela que se corava com o símbolo do Corinthians depois do uso. Ela disse que não, mas me explicou sobre os 357 tipos diferentes de absorvente que existem.
– Tá, e daí?
– E daí que eu não sabia qual levar. E perguntei pra moça se descrever a sua… Bem, a sua perseguida ia ajudar em alguma coisa.
– Ai, meu Deus! Não vai dizer que você…
– Não, não precisei descrever. Eu tinha uma foto.
– O QUÊ????? – gritei, quase pulando em cima dele.
– Brincadeira, brincadeira! – ele gritou de volta, por pouco não caindo da cadeira. – Mas a moça não reagiu muito bem à minha oferta e me deixou falando sozinho. Daí, eu voltei pros absorventes e vi que não bastavam os que parecem uma palmilha de sapato, tinha aqueles supositórios vaginais…
– Supositórios vaginais, Danilo?
– É, aqueles que você enfia lá na…
– Já sei, já sei.
– Enfim, e eu já não me lembrava se não era um daqueles que você queria, e eu fiquei tentado a perguntar pra moça se ela poderia me dizer qual era o tamanho que ela usava, para saber qual levar pra você, mas, como ela já não tinha reagido bem quando eu quis descrever o tamanho da sua, eu achei que ela não ia gostar de me descrever o tamanho da dela…
– Ainda bem, né!
Eu estava em um misto de sentimentos: não sabia se ria da loucura, chorava do absurdo, ou gritava de ciúmes por ele querer ver a perereca da outra.
Achei melhor não falar nada. Ele ia se enrolar sozinho, como todo homem.
– Bom, quando eu já estava surtando com tudo aquilo, o Felipe já estava perguntando para outra vendedora se o seu cabelo ia ficar mais claro com um shampoo de erva-cidreira…
– Camomila, você quer dizer.
– Isso, essa coisa que faz chá. E aí eu achei melhor tirar ele de lá, antes que piorasse a situação. Então, já era quase meio dia…
– Meio dia? Quanto tempo você ficou olhando absorventes na farmácia?
– Ah, acho que quase uma hora.
– Santa mãe de Deus!
– E aí, como a gente estava exausto e com fome, achei que a gente merecia um belo almoço. Então, fomos almoçar, e, com a mente funcionando e a energia reabastecida, eu tive uma ideia. Lembrei que tem um supermercado no shopping, e lá fomos nós. Peguei uma cestinha, fui para a seção de absorventes, jurando que, pelo menos, no supermercado teria menos tipos, mas não… Tinha uns 500 diferentes lá. E eu não sabia mais se deveria levar o M ou o GG daquele supositório bizarro. Aí, eu decidi perguntar para uma senhora que estava do meu lado que tamanho ela usava e se ela achava que um G ia servir e, como ela me olhou meio que de um jeito de quem realmente ia me ajudar, eu aproveitei e falei que queria saber como se colocava aquilo, porque nunca tinha visto um na minha vida, e se era mais difícil para pessoas gordas. Não sei por quê, ela se irritou e foi chamar um segurança… E a gente foi posto para fora do supermercado, sem nem mesmo poder levar os absorventes.
– Eu não acredito que você falou pra uma mulher no supermercado que devia ser mais difícil de colocar em gordas!
– Ué, não é verdade? Tem que ficar puxando as coisas pro lado e…
– Tá bom, Danilo, tá bom. E daí?
– E daí que nós voltamos, já irritados, para a farmácia perto de casa, onde eu peguei um de cada tipo e tamanho para você.
– Ué, mas e o problema de ficar de frente para as camisinhas?
– Bom, pra parecer mais másculo, eu peguei umas camisinhas também, aí dava para entender que eu estava levando pra nós, não é?
– E você fez isso com o seu amigo que, até onde me consta, estava com um shampoo de lichia e um condicionador de camomila nas mãos, é isso?
– É…
– E você carregava na outra mão uma sacola com o gel que você já tinha comprado?
– Bem… É…
– E você comprou camisinhas para usar com quem, se a sua esposa está menstruada?
– Bem…
– O caixa não te olhou de um jeito estranho, não?
– Agora que você falou, ele ficou mesmo olhando pra nós dois meio assim…
Eu não precisei falar mais nada.
– Nunca mais eu volto lá! – ele falou, por fim, quando a ficha caiu. – E nunca mais me peça para comprar essas coisas!
E foi para o quarto, provavelmente chorar pela masculinidade perdida.
Esses homens… Nem para conseguir comprar um absorvente…
Nota do autor, outubro de 2021: 15 anos depois, eu finalmente sei qual absorvente comprar. Inclusive, atualmente, acho o jeito mais fácil comprar no supermercado (sou eu quem faz as compras em casa) e deixar um estoque enorme.
Ah, não, caso esteja curioso, isso não aconteceu de verdade. Quer dizer, realmente, na primeiras vez (primeiras 20 vezes) que fui comprar, eu errei de verdade, mas não foi nada tão bizonho assim.
Só uma vez que eu comprei de 5 tipos diferentes, porque não aguentava mais errar.
E a vez que eu comprei aqueles que são de uso diário, mas não noturno, ou algo do tipo, que absorvem menos.
Enfim, agora, sou uma nova pessoa neste quesito! rsrsrsrsrs

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais