Expectativas
Ela entrou no banheiro e fechou a porta; ele ficou do lado de fora.
Estavam no hospital; ela, deitada na cama, não gritava. Haviam feito analgesia, não estava doendo nada, mas, ao mesmo tempo, não tinha a sensação de que realmente estava nascendo. Mas nasceu; lá estava ele. Um menino. Grandão, cabeludo, meio roxinho; logo começou a chorar.
Já estavam em casa; ele crescia rapidamente. As noites em claro logo foram substituídas por noites (quase) completas de sono. No trabalho, cada novo passo era uma nova foto ou vídeo que o papai trazia: o segundo sorriso; a segunda vez que levantou a cabeça; a segunda vez que sentou; a segunda vez que rolou; a segunda vez que engatinhou; a segunda vez que andou; a segunda vez que falou e pulou. Sempre segunda; é praticamente impossível prever quando seu filho fará algo grande e inesperado. Só teremos a câmera pronta, em mãos mesmo, na segunda vez.
Primeiro dia na escolinha: aquele medo. Não queria soltar sua mão de jeito nenhum. Ficar sozinho, ele, no meio daquele monte de crianças? Sem papai? Mas logo ele se acostumou; papai ficou triste. Fora bem cotado por tão pouco tempo! Mas estava ao mesmo tempo feliz: o filhinho já estava crescendo. Logo seria filhão.
E aí vem o colégio, com as provas, as lições de casa… A primeira prova é um desespero. O que vai cair? O que estudar? Me ajude, papai! E o primeiro boletim… Vem todo feliz mostrar. Olha só, papai, tirei 10 em matemática! Ah, como era simples a matemática do primeiro ano… Quando chega o quinto, só saudade. E aí vem o medo de mostrar o boletim com as notas baixas. Mas papai – aliás, papai não mais, já é apenas pai, e se bobear logo já será só “velho” – não briga. Só pergunta: o que aconteceu, você foi mal por quê? E o filho não sabe dizer. E o pai promete ajudar, e assim vão: a notona na recuperação é uma felicidade para ambos.
O problema é quando o que o filho está aprendendo supera o que o pai ainda lembra. Trigonometria? Que raios é isso mesmo? Quando foi a proclamação da república? Do que é formado o solo do planalto brasileiro? O que é a tundra??? Aí o pai – aliás, já se tornou velho, especialmente agora que o filho sabe supostamente “mais” do que ele – pede arrego. Aulas de reforço? Aulas particulares?
Mas quem disse que o filho quer saber de estudar? Ele quer é jogar videogame. Sair com os amigos. Namorar. Brigas e mais brigas; ah, quando vão se entender? Mal sabe o pai que só dali a uns dez anos, quando ele for adulto, começar a se sustentar sozinho e entender o trabalho que foi criá-lo.
E o filho sai de noite; meia noite, uma hora, duas, três; o velho não passava uma noite em claro assim desde que ele tinha um ano. Quando iria voltar? O que estaria fazendo? Estaria tudo bem? Estava bebendo? Usando drogas? Dirigindo sem carta? Lembrou-se da camisinha? Do que ele havia explicado? Onde estaria agora? Ai, filho, por que você não pode voltar a ser aquela criança que só queria a minha ajuda para fazer somas?
Mas ele volta, às cinco da manhã. Dá um oi sonolento para o velho e se joga na cama. E o velho pode finalmente dormir, sossegado. Quer dizer, até o despertador tocar, meia hora depois.
E ele cresce, e sai de casa. E bate aquele desespero; vai ficar bem? Onde está? Com quem está? É seguro dirigir com todo aquele caos na rua? E se for assaltado? Sequestrado? Morto? E se tiver amizades erradas? Namoradas, noivas, esposa erradas? Filho antes do tempo? E se se envolver com drogas?
Ele respirou fundo. Ela abriu a porta do banheiro, um palitinho na mão e uma expressão de decepção no rosto. Não, não estava grávida. Ele a abraçou e respirou aliviado. Mas, pouco depois, emendou:
– Tudo bem, amor, vamos continuar tentando.
E na sua mente já começavam novas expectativas. Mal podia esperar para se tornarem realidade.
Nota do autor, setembro de 2021: eu me lembro de ter escrito esta crônica no celular, enquanto esperava minha esposa sair do trabalho. Gosto bastante da ideia de que, naqueles poucos momentos entre fazer o xixi no palitinho e sair o resultado, o pai já estava criando toda a história de vida do filho (e até a síndrome do ninho vazio). Quem nunca passou por isso?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais