Presentes!
Toda a história dos presentes tem sido deturpada com o passar do tempo. Sim, é algo triste de se pensar, mas é verdade e nada podemos fazer. Vamos voltar aos primórdios dos presentes, na época das cavernas, e ver como tudo isso ocorreu.
Na pré-história não havia escrita, o que dificultava bastante saber que presentes a pessoa queria e quais ela não queria, quais ela já tinha e quais outras pessoas já iam dar. O que, na verdade, não fazia muita diferença, uma vez que a tribo não tinha mais de duzentas pessoas, se tanto, e os tipos de presentes variavam de um pote de barro a uma machadinha de pedra. Ou seja, não havia tanta coisa assim para se presentear, nem ocasiões; o aniversário era desconhecido (já que ninguém tinha como registrar quando a pessoa nascera, nem possuía calendário para acompanhar os dias), assim como os dias festivos (eles não tinham religião) ou feriados nacionais (eles não tinham nações!). Ou seja, a vida era muito chata naquela época, e os presentes se resumiam a quando o garoto atingia a maturidade (ou seja, quando ele conseguia matar o seu próprio mamute com as próprias mãos – e depois ainda perguntam por que a mortalidade era tão alta entre os neandertais!), e aí ele ganhava trocentas mil flechas e roupas e armas e ficava com aquela cara de trouxa, porque o que ele queria mesmo era um jogo de vídeo (e se revoltava ao saber que ele teria de esperar mais uns 30000 anos para conseguir um – se ele soubesse o que era um ano, claro), e a quando um casal se tornava marido e mulher (o que era um problema, igualmente, porque não tinha padre para oficializar nem certidão de casamento, podendo qualquer um ser casado com qualquer um, o que causava uma confusão na hora de dar os presentes, porque ninguém tinha a lista de ninguém e todo mundo acabava dando o que ganhara para outros casamentos, os quais aconteciam todo dia, uma vez que eles não tinham muito mais coisa a fazer e a recepção do big brother era ruim).
Aí vieram Grécia e Roma antigas, e eu não preciso dizer que presente de grego não era o melhor de todos, não é? Para você ver, o presente passou de uma simples ocupação do tempo livre (e uma confusão geral) para um artefato de guerra. O que é estúpido; se os troianos tivessem um controle rígido, como os pré-históricos, de quando receber presentes (maioridade ou casamento), eles não teriam caído. Não teriam aceitado o presente, ou então teriam mandado para os romanos na mesma noite, achando que era dia de troca de presentes e que eles haviam ficado de fora da história, mas por pouco se safado de uma gafe tremenda.
Presentes causaram a ruína da humanidade para a mitologia antiga; a caixa de Pandora transformou o mundo no caos que é hoje, e foi um presente. Para você ver que Deus deve ser grego…
Aí veio a Idade Média, mas lá era tudo tão controlado, mas tão controlado, e todo mundo tinha tão pouco, mas tão pouco dinheiro, que ninguém dava presente para ninguém; era cada um por si, o senhor feudal por ninguém e Deus por si próprio. Além do mais, coisas materiais eram pecados, logo dar presentes era uma coisa absurda. Fora que o mercado era pequeno; a moda estava só começando e a televisão continuava com recepção ruim, de modo que só sobravam os casamentos (de nobres, claro) para entreter o povo e angariar presentes dos mais variados tipos.
Os presentes entre nobres, naquela época, eram os melhores; como eles acabavam dando presentes só no casamento (mais uma vez por causa dos pecados), o cara que se casasse com uma princesa ganharia, a curto prazo, sabe-se lá quantos hectares de terras e riquezas enormes, e, a longo prazo, um reino. Bom, não?
Foi aí que vieram os iluministas e viver parou de ser pecado, o que era bom, porque as taxas de infanticídio eram enormes. Com isso, vieram os presentes para todas as ocasiões (vocês sabem que o iluminismo se desenvolveu pra caramba na Itália e que, curiosamente, os italianos dão presentes à toa. Coincidência? Acho que não), como quando achavam uma estrela nova no céu (e na época eles tinham muito tempo livre, muitas estrelas desconhecidas e muito pouca poluição para atrapalhar a visão), quando criavam um prato novo, quando acendiam uma vela, quando se casavam, claro, e tudo mais. Até quando alguém respirava ganhava um presente.
Aliás, é hora de se discutir o motivo da palavra presente: é um substantivo oriundo da locução verbal estar presente, que significa participar de algo, fazer parte. Ou seja, a pessoa dava um presente para alguém somente para o presenteado saber que ela fora à festa. Não precisava nem ter visto a cara da pessoa; elefantas, a pessoa nem precisava ir à festa, só o presente já era o suficiente para indicar a sua presença lá.
Era assim que se livravam dos chás chatíssimos da rainha Elizabeth. Um presente, ela deixava você ir embora. Presente-suborno.
Logo, o presente sempre foi deturpado. E, pensemos agora; o que leva uma pessoa a querer presentear a outra? Gastar o seu dinheiro suado em um negócio que a outra pessoa provavelmente não vai usar, ou então que ela poderia muito bem comprar com o seu próprio dinheiro?
Esta é a visão de hoje em dia. Temos quinhentas mil ocasiões nas quais trocar presentes (obra dos iluministas, claro), e, por causa disso, presentear tornou-se um elefante branco. Enquanto, no passado, as famílias italianas/judaicas trocavam presentes simplesmente porque queriam ou porque não tinham nada melhor para fazer, sem nunca cobrar nada de volta, hoje em dia, toda vez que se recebe alguma coisa, a pessoa pára para pensar: que droga, agora o que eu vou dar pra ele no seu aniversário?
É sempre assim. O presente que você ganhou acaba se tornando um fardo, porque, até o dia em que você puder redimir a sua dívida, dando um presente para o cara que acabou de lhe dar um, ele vai ficar encarando, encarando, e você vai ficar se remoendo, pensando que demônios dar para aquela pessoa.
E no dia dos namorados, que você não sabe até que valor gastar para não depreciar ou apreciar demais a pessoa? E dia das mães, a mesma coisa? Ou dia dos pais, porque os pais são sempre os mais enigmáticos de se presentear? Ou aniversário? De criança, que só ganha roupa, mas nunca quer roupa, de adolescente, que finalmente ganha os presentes de criança que queria há dez anos, mas não as roupas que queria no momento? O lado bom é que os casamentos de hoje têm listas, assim, pelo menos, a pessoa não repete o presente.
Mas o pior é no Natal; você nunca sabe quem vai te dar presente ou não, então você fica fazendo listas e listas de presentes para todo mundo que você conhece, fica horas comprando tudo, para presentear gente que talvez nem te retribua o favor. No final, você acaba presenteando, no máximo, 10 pessoas de quem você gosta e mais umas 99 de quem você não gosta. Ou seja, todos compram todo o ano 99 presentes inúteis. E pra que isso serve? Só para movimentar o comércio.
Por isso, eu tenho uma atitude revolucionária, que vai parar de deturpar os presentes; em vez de um presentear o outro, em datas festivas, vamos nos resumir a comprar um presente; um presente para nós mesmos, e acabou. Eu compro um para mim, e você, um para você. Primeiro que assim vamos economizar dinheiro, segundo que vamos acabar com os repetecos de presentes, ou daqueles de que não gostamos, e terceiro que vamos aniquilar este elefante branco chato da retribuição de favores, por causa do qual, muitas vezes, é melhor não se receber presente nenhum. O que vocês dizem?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais